segunda-feira, julho 03, 2006

A BICA...por João de Jesus Nunes

Era uma quarta-feira. O amigo Arménio, de Vila Boa, alvitrara o restaurante do Zé Nabeiro, no Soito, para uma “sopa dos cornos”. Confesso a minha preferência por almoçar no Álvaro – o peregrino, em Pega, onde não é conveniente chegar tarde, para ter lugar a uma mesa. Isto de comes e bebes não é onde assenta mais a crise...No final, é só pagar a conta e esperar pelo troco. É dinheiro em caixa. É também o encontro, habitual ou de ocasião, de amigos, colegas, conhecidos, e de outros et ceteras. Por vezes, também de negócios. Pode haver sorte; pode haver azar...Se, sozinho, logo se encontra, ou se faz, de um desconhecido, um amigo. Então, não andamos no mesmo deambular?
- Vendo sistemas informáticos; e eu, seguros; eu, vendo óleos; este, vende equipamentos para refrigeração; aquele, vinhos; aqueloutro, produtos de higiene; e, estoutro, materiais de construção. - Isto é que vai uma crise! Todos são unânimes: não há dinheiro! Vamos dar uma volta. Pode haver sorte; pode haver azar... Mas, os engravatados, por obrigação, já não recebem só depósitos, pagam cheques, emprestam dinheiro; como também já vendem uma panóplia de artigos e bens: seguros, viagens, automóveis, livros, medalhas, moedas para colecção, serviços de jantar, talheres, equipamentos informáticos. Qualquer dia também sapatos, sabonetes, lingerie, e, junto à caixa Multibanco, venda de preservativos. Pode haver sorte; pode haver azar... De vez em quanto um telefonema, já fora de horas, simpático, geralmente duma voz feminina, com a apresentação e desenrolar da ideia, predefinida, a transmitir, digo, impingir, em conversa tipo cassete:

“Muito boa tarde! Gostava de falar com o Senhor...Pois foi um dos nossos seleccionados e tem já um crédito bancário aprovado no valor de...” - “Mas eu não pedi nenhum crédito, nem necessito do mesmo.” - “Mas o Senhor já viu a excelente taxa de juro e prazo de pagamento?” - “Mas eu já lhe disse que não preciso de nenhum crédito”. - “Mas, mesmo que não precise, pode servir para renovar a sua mobília, reparação da sua casa, aquisição de um novo automóvel”. - “Mas eu não preciso nada disso!” Ora bolas, pode haver sorte; pode haver azar... Mais um tinto; pouco, porque isto de andar ao volante, pode haver sorte; pode haver azar... mas alegra os corações, rasga a imaginação, desenvolve a dinâmica, ainda que só naquele momento... No final, o café, curto cá para o rapaz. Sempre me habituei a chamar-lhe “bica”. Já no tempo do Sr. Baltazar, no Solneve e no Montalto; ou do “Feijão”, no Sporting, em tempos que já lá vão, não era preciso pedir a bica, já nos conheciam e sabiam como a queríamos: em copo ou chávena, curta, cheia ou italiana. Era então a 1$20, depois passou para 1$50 (os jornais diários a 1$00). Era só sentar. No Montiel, os simpáticos funcionários também já conhecem os nossos hábitos. É só servi-la, curta, normal ou cheia. Café ou Bica? Foi na Brasileira do Chiado que havia um letreiro a dizer: “Beba Isto Com Açúcar”. Mais tarde já só colocavam a iniciais: “BICA”. Diz-se que terá sido daqui que surgiu o termo “BICA”. Pois o café está presente na nossa civilização e na nossa vida desde o ano 1450, altura em que foi introduzido em Constantinopla, pelos turcos otomanos; e, 25 anos depois, abriu a primeira loja de vender café servido ao público. Pois bem, todas as manhãs, a seguir ao almoço ou ao jantar, e mesmo a qualquer hora, são suficientes três ou quatro minutos para beber uma bica, sem pensar em mais nada: beba-a doce, amarga, curta, cheia; e, se for mais exigente, com um “cheirinho”, de zimbro, preferencialmente...

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