Drª Alzira Serrasqueiro
Escrevo-lhe esta carta aberta, porque durante cinco meses não se dignou receber-me.
Por uma lâmpada fundida tive a minha Carta de Condução apreendida por cinco meses. Parece ridículo mas aconteceu com a sua anuência. Apesar da minha insistência, nunca consegui ser recebido nem que o meu processo fosse reavaliado.
Fui notificado que, no dia 11-02-2005, pelas 2h 40m, na A-23, Km 127, s/n Castelo Branco, “circulava na auto-estrada, durante a noite, sem qualquer dispositivo de iluminação, nem luzes de presença à retaguarda”. Ora como lhes expliquei em várias cartas, tal não correspondia à verdade, facilmente comprovável pelos vossos meios de vídeo: apenas não tinha luz de presença traseira, porque se tinha fundido durante a viagem. Sublinho que TODOS os restantes dispositivos de iluminação da viatura estavam em perfeito funcionamento.
Caso não fosse assim, questiono:
- Se não tinha qualquer sistema de luzes porque existe uma referência particular às “luzes de presença à retaguarda” ??? Não será porque era realmente essa a única em falta?
- Se não tinha qualquer sistema de luzes, como foi possível que a Brigada de Trânsito me tenha deixado prosseguir viagem?
Quero referir que assinei o papel do auto confiando nos agentes e perante este erro recorri à DGV e ao Governo Civil de Castelo Branco (GCCB) tendo-me sido sugerido que enviasse uma carta pedindo a reapreciação do processo. Passadas semanas recebi resposta de que se mantinha a pena. Pergunto, será que os processos dos cidadãos são realmente reavaliados no Governo Civil de Castelo Branco?
Quando recorri para Tribunal disseram-me que tinham sido ultrapassado os prazos, pois contavam a partir da notificação e não da resposta do GCCB o que não me foi informado na devida altura. E não devia ter sido?
Exmª Srª Governadora:
Reflicta-se sobre toda a sua actuação durante este processo:
1 - O Governo Civil é a instituição pública que representa administrativamente o Governo da República Portuguesa no seu distrito e tem responsabilidades perante os cidadãos que representa. Assim, – apesar das cartas, e-mails, telefonemas, reuniões com assessores – porque é que durante meses V.Exª nunca se dignou receber-me?
- O Governo Civil reconhece o direito do cidadão ser recebido? Há critérios pessoais para esse cidadão ser recebido? E quais são esses critérios? Pessoais? Partidários?
2 – A DGV (onde fui recebido) e o seu assessor, reconheceram situações estranhas no processo. Porque não foi então devidamente reavaliado? Não era sua responsabilidade assegurar a justiça a um cidadão? Este auto ainda estava ao abrigo do anterior Código da Estrada, que reconhece a actuação do Governo Civil. Dado que não corrigir um erro é errar duas vezes, não terá havido negligência na sua conduta e na acção dos seus responsáveis? Pode garantir que fez o que lhe era exigido? Entendo que se um Governador Civil não pode alterar um erro crasso e repor justiça, o lugar deve ser extinto. Qualquer manga-de-alpaca pode assinar papéis sem sentido crítico e a 1/5 dos custos. Ou não será assim?
3 – Um seu assessor (que nos últimos tempos nunca estava para atender o telefone – estaria doente?) disse que era complicado resolver este assunto, “pois isto tudo já estava no computador”. O Governo Civil é o computador? Ninguém toma decisões à revelia do computador? Não é V.Exª representante do Governo que promete um Choque Tecnológico? E o programa Simplex para agilizar a administração pública, não permite alterações num computador?
Acha que é possível aceitar uma resposta destas? Entendo que, se não quer actuar, deve ter a coragem de dar a cara e não se deve refugiar nos assessores e, muito menos, permitir eles insultem a inteligência dos cidadãos.
4- Como profissional liberal faço muitos quilómetros de condução, mas não sou um condutor perigoso. Tenho no meu processo apenas multas por estacionamento e pequenos excesso de velocidade, como quase toda a gente. Mas não tenho registo de manobras perigosas, de condução sob o efeito de álcool ou uso de telemóvel. Será que perante o erro grosseiro não seria merecedor, pelo menos, de uma pena suspensa, uma redução da pena, o pagamento de caução ou um trabalho cívico? Até aceitaria.
Tal não era possível? Todavia é possível para outros, que eu conheço, muitos conhecem (e que V.Exª certamente conhece). Convenhamos que este estado de coisas nos faz colocar outras questões: Será que o Governo que representa, admite cidadãos de segunda e de primeira? Quais são os critérios? Pessoais? Partidários? Económicos?
Exmº Srª Governadora Civil de Castelo Branco, Drª Alzira Serrasqueiro:
Ocupar um lugar de representação do Estado deve ser um motivo de orgulho. Em geral, não comento como se consegue chegar ao lugar, mas uma vez lá, tudo se deve fazer para o honrar. O poder deve servir para ajudar os outros e não para mesquinhas vaidades. Muito menos para ajustes de contas pessoais ou políticas.
Casos como este são graves. Não só pelas consequências pessoais, mas porque são reveladores de que o poder depende de vontades pessoais, o que coloca uns cidadãos em desvantagem perante outros. São reveladores de que os cidadãos pagam pelos erros cometidos, mas as instituições podem errar impunemente.
Assim, casos como este são anti-pedagógicos e suscitam revolta e indignação: as pessoas sentem que as instituições são punitivas e perseguem os cidadãos de forma desigual. Talvez por isso, nas estradas, se façam sinais de luzes para avisar das Brigadas de Trânsito; por isso se recorra a amigos influentes para conseguir evitar a multa e o cadastro; por isso se recorra a tribunal com mil desculpas; por isso se desrespeitam entidades e se entopem tribunais.
Que esta carta sirva para uma reflexão pública e para evitar outros casos tristes que envergonhem a administração pública e os cidadãos.
João Morgado
Covilhã