Marissa Nadler - The Saga of Mayflower May
Contar histórias é uma tradição na folk, sobretudo a britânica, mas como com Marissa Nadler a balada é um formato em processo de reinvenção, a personagem (Mayflower May, que já tinha utilizado no seu primeiro registo) importa mais do que a narrativa. E como no cinema, que mesmo quando realista trata de temas “out of the ordinary”, Nadler canta episódios que não são propriamente os mais banais, ainda que possamos identicar-nos com os sentimentos expressos. A melancolia pode não se compadecer com o dia-a-dia das grandes cidades, mas é sem dúvida uma consequência dos contratempos próprios da existência moderna, nas suas diversas manifestações. Mesmo as mais agrestes – note-se que algumas destas canções entram na categoria das “murder ballads”, não para nos falarem de violência, mas sim da perda dos que nos são queridos. Só “Lily, Henry, and the Willow Trees” foge a este figurino, adoptando mesmo características que já foram classificadas pela crítica como “gore”. Importa não esquecer que em “Balladas of Living and Dying”, a sua estreia discográfica, Marissa Nadler utilizou poemas de Edgar Allan Poe, um mestre do género. E quem disse que a melancolia se pinta necessariamente a cinzento e mostra campos cobertos de neve e árvores despidas? “The Saga of Mayflower May” está cheio de cores, sejam a cor dos olhos de um amante ou a de uma certa incidência da luz do sol sobre a vegetação e as casas. A melancolia da folk psicadélica sempre foi diferente, e a verdade é que é no caldeirão da década de 1960 que esta cantora vai beber inspiração e referências. Por vezes, lembra-nos até Linda Perhacs e Vashti Bunyan. Além disso, a voz de Marissa consegue ser misteriosa e sedutora sem perder o encanto da sua fragilidade e o alcance do que pretende afirmar, mesmo que nos leve para terreno desconhecido, o que significa que podemos tecer dela várias interpretações num mesmo fôlego. Para todos os efeitos, a alma humana é complexa e incoerente, capaz do mais sublime mas também afoita à traição e ao assassínio. Se gostarem de Mazzy Star, como nós, vão com certeza querer ouvir este trabalho.
(ananana.pt)
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