Fernando Sena é um nome incontornável quando se fala de teatro na região. Ligado ao Teatro das Beiras desde o primeiro dia – o já longínquo dia 7 de Novembro de 1974 – conseguiu afirmar a companhia no País, dobrando cabos das tormentas, óbices naturais a quem se presta a fazer da cultura uma coisa viva. 35 anos depois, o balanço de uma já respeitável jornada
JORNAL DO FUNDÃO – Chegar até aqui, 35 anos depois, já foi uma vitória?
FERNANDO SENA – É uma persistência acima de tudo. Vitória era termos um espaço com a dignidade que o teatro merece. Era termos outra estabilidade em termos económicos. Isso seria uma vitória da companhia, da cidade, da região porque, acima de tudo, e principalmente nestes 15 anos, nós trabalhámos em função de uma região que nem sempre nos acolhe como nós pensávamos que ia acontecer com a existência de uma companhia profissional. Hoje nós fazemos mais espectáculos pelo resto do país do que propriamente na região que nós definimos como região-alvo para o trabalho da companhia, que era a região da Beira Interior.
Falamos de autarquias que não compram espectáculos?
Falamos das autarquias que compram espectáculos e também das que não compram, que são a maioria. Em 1994, quando iniciámos este percurso de companhia profissional, tínhamos protocolos com seis autarquias do distrito de Castelo Branco. Hoje não existe nenhum.
Isso quer dizer que, apesar de tudo, a cultura tem sido sub-valorizada, ou pelo menos, o teatro tem sido colocado à margem face a outras manifestações culturais?
Penso, acima de tudo, que há uma coisa que não se quer admitir: a verdade é que o interior vai definhando. E, na verdade, há um conjunto de concelhos que em 1994 ainda faziam alguma programação cultural e que hoje não a fazem. No entanto, hoje, também há mais espaços. Agora isso nem sempre corresponde, depois, a uma programação coerente.
Quando uma autarquia faz uma programação cultural tem critérios. Esses critérios, na sua opinião, estarão centrados no sucesso imediato, onde o teatro não será tão atreito a esse fenómeno?
Não sei se alguma arte dá votos. Há uma coisa que dará com certeza: pessoas com outra sensibilidade, mais humanizadas, com outra visão, com outro ponto de vista mais crítico. Falo em termos da leitura, do cinema, da pintura. Tudo isto me parece que são bens que qualquer cidadão deve ter o direito a ter acesso. Essa política é que não existe, nem a nível do país nem a nível das autarquias – ou existem, em poucas delas. Mas também temos exemplos de programações exemplares, diversificadas, com consistência.
Tem havido mais reconhecimento nacional em relação ao TB do que propriamente das entidades que habitam o próprio território geográfico do teatro? Esse reconhecimento nacional tem existido em termos de apoios para os projectos que são apresentados...
Isso é verdade, mas também se diz que santos da casa não fazem milagres... os ditados populares às vezes são sábios. Para nós há uma questão importante: a região tem que se entender. Os autarcas têm que ter uma visão para além do seu território. O país não pode aguentar com estruturas duplicadas, triplicadas ou quadruplicadas. Nos distritos de Castelo Branco e Guarda são 25 concelhos. Não podemos ter em todos estruturas profissionais. O que temos que fazer é valorizar aquelas que existem.
Isso pressupunha que houvesse por parte do poder a perspectiva de um trabalho em rede...
Isso das redes eu tenho um bocado de medo. Alio a rede sempre a uma ideia de ficar preso e não poder sair dali. Gosto mais da palavra “circulação”. E a circulação pressupõe também, acima de tudo, uma disponibilidade das pessoas se reunirem e falarem da região enquanto região. Não se pode é falar da região em termos de que as coisas são boas se estão no nosso concelho. Acho que é um pouco o que tenho ouvido: “a região é óptima, mas não vale a pena fazer nos outros concelhos, porque no nosso já existe”. Isso não é definir região nenhuma.
O TB tem sido vítima de um pensamento paroquial?
Nós temos tentado combater esse sentimento paroquial. E é com orgulho que já estreámos em vários concelhos da Beira Interior.
E também deixou de haver crítica teatral desde que Manuel João Gomes deixou de a fazer...
Nos órgãos de tiragem nacional deixou de existir. Na televisão pública, por incrível que pareça, hoje é um único canal que não tem um programa de divulgação das artes. Tinha o “Acontece”, embora relegado para o canal 2, mas era no tempo em que este canal tinha outra função. Apesar de ser dirigido a minorias, hoje nem sabemos a que minorias se dirige. A verdade é que o “Acontece” era um elo de ligação de conhecimento do que se fazia no teatro e cultura em Portugal. São situações gravosas para quem trabalha fora de Lisboa e Porto.
Acham que conseguem reivindicar para vocês a criação de um público de teatro na região?
Não tenho dúvida que criámos um público de teatro e, acima de tudo, não deixámos que o teatro morresse. Até porque o TB tem para si que grande parte das estruturas que hoje trabalham na Beira Interior foram formadas a partir de pessoas que passaram pelo TB. Tudo isso tem a ver com um trabalho que vinha de trás, que o TB realizou ao longo dos anos. Criámos e mantemos um público de teatro. Se gostaríamos de ter mais? Gostaríamos.
Conseguirão?
Continua a haver um público novo que vem ao teatro pela primeira vez e há outros que deixaram de ser espectadores. Hoje a mobilidade das pessoas é completamente diferente daquela que era há 15 anos. Com certeza que muitas das pessoas que antes eram espectadores habituais do TB, hoje já nem sequer vivem na nossa região. As cidades vão ficando mais desérticas em termos de pessoas e isso nota-se também em termos de públicos. E, acima de tudo, o que é preocupante é nas nossas escolas não haver uma ligação entre o que é a educação e o que é a cultura. Esse trabalho hoje ainda é possível fazê-lo ao nível do ensino básico, mas a partir daí...
Enquanto director do TB, já se sentiu tentado a “facilitar” na escolha de textos para captar mais públicos?
Não. Sinceramente, não. Primeiro porque a escolha dos textos do TB é feita em equipa, onde nós, acima de tudo, preservamos a qualidade dos textos e autores, sendo que quando nós estamos a fazer isto o que nós queremos no outro lado é público. Mas ter público pelo lado mais fácil é ir buscar alguns textos do “Big Brother” e isso nós não fazemos. O que queremos é ter público, mas dar-lhe espectáculos de qualidade.
As conhecidas limitações do auditório do teatro também não condicionará essa escolha?
Dos textos, eu não posso dizer isso. Posso dizer é que depois tanto o cenógrafo como o encenador, muitas vezes, têm que dar algumas cambalhotas para conseguir fazer um espectáculo dentro do espaço que dispomos. Agora, nunca deixamos de escolher um texto que achamos importante a companhia representar por causa do espaço.
A presença da universidade e o crescimento dela, que impacto é que produziram?
O conhecimento que tenho de companhias que estão noutras cidades e que também têm universidades e até de alguns estudos que foram feitos, os impactos das universidades no tecido cultural é relativamente pequeno, infelizmente. Isto porque as universidades fecham-se muito dentro de si. Mas há outras questões que se põem: um aluno quando chega à universidade há quanto tempo é que não vê um espectáculo de teatro? Muitos deles não lêem o jornal... se não são consumidores habituais de cultura, porque é que quando chegam à universidade, quase como que por toque de varinha mágica, haveriam de ser?
É algo sobre o qual vale a pena reflectir....
Eu acho que é urgente a reflexão sobre o que tem sido este modelo de educação, única e exclusivamente voltada para o mundo do trabalho. O ensino hoje está completamente divorciado da cultura.
Ainda tem esperança em ver o TB com um novo auditório? Se isso não acontecer pode condicionar o crescimento da companhia e do festival de teatro que organiza?
Mais do que o crescimento do festival de teatro preocupa-me, essencialmente, aquilo que é a nossa actividade principal, que é a criação. E o que é evidente é que mesmo para a criação é limitativo. Como disse, nunca pusemos um texto de parte por causa do espaço, mas a verdade é que houve alguns textos que nunca equacionámos por várias razões; económicas nomeadamente. Por exemplo, Shakespeare nunca foi equacionado por razões económicas. Supondo que essas razões estavam ultrapassadas, a seguir colocava-se um outro problema lógico, que é o do espaço. Aquele espaço com 20 actores em cima do palco é uma coisa complicadíssima. Mas há outras coisas: penso que também é limitativo em termos de público. O auditório tem as condições mínimas de dignidade que conseguimos dar a um espaço que foi construído para uma fábrica e não para ser uma casa de cultura. Agora, há uma coisa da qual eu também tenho a certeza: estarmos aqui trouxe-nos, pelo menos, a estabilidade de podermos fazer uma programação anual em função da companhia e não em função de outras coisas.
O facto de ser uma companhia do interior, dificulta o vosso trabalho na obtenção dos subsídios do Ministério da Cultura?
As regras são iguais para todos. Artisticamente temos claríssimo aquilo que queremos fazer e como queremos fazer. Penso que esse caminho que traçámos há 15 anos tem sido reconhecido não pelo ministério, mas pelos sucessivos júris que apreciaram o trabalho que desenvolvemos, que nos apoiaram o trabalho que propomos para os anos seguintes. Portanto, nisso não nos sentimos absolutamente nada diminuídos em relação àquilo que se faz em qualquer outro lado do país.
Que momentos mais o marcaram ao longo destes 35 anos?
Essencialmente, a formação da companhia profissional. Acho que foi um objectivo que me acompanhava já cinco anos antes e quando demos esse passo foi um grande momento para o TB.
35 anos
O Teatro das Beiras foi fundado em 7 de Novembro de 1974 com o objectivo de produzir espectáculos teatrais com regularidade. A partir desta data o Teatro das Beiras produziu mais de sessenta espectáculos de autores tão importantes como Gil Vicente, Goldoni, Brecht, Aristofanes, José Triana, Molière, Pirandelo, etc. Com estes espectáculos o Teatro das Beiras realizou cerca de duas representações para mais de 200 mil espectadores, tendo participado em festivais de teatro por todo o país. Em 1994 ao atingir os vinte anos de actividade ininterrupta, o Teatro das Beiras caminhou para uma nova etapa decisiva: a profissionalização da companhia de teatro, que veio a acontecer em Novembro desse ano. Em Janeiro de 1998 é atribuído à Companhia o Diploma Utilidade Pública. Organiza desde a aurora da década de 80 do século passado, o Festival de Teatro da Covilhã.
Por: Nuno Francisco
JF
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