terça-feira, fevereiro 21, 2006

A ideia peregrina do individuo…

Nos dias que correm este é o paradigma, o indivíduo (como já alguém disse citando outrem, “o individuo é um fim em si mesmo”).

À pala desta ideia vem o “pensamento individual”, a “formação individual e livre opinião”… e mais uma série sem fim de dogmas, que na sociedade capitalista ganham a forma de “pensamento único”. Por detrás da liberdade individual escondem-se uma série de mitos, cristalizam-se injustiças, perpetua-se um certo status quo, mantém-se, no fundo, a liberdade individual de uns poucos explorarem, reduzindo-se as liberdades colectivas dos explorados.

Dissociar os retrocessos nas condições e direito a uma vida com direitos da maioria da população, da forma como se organiza a sociedade e, a forma como se organiza a sociedade deste paradigma do individual é algo que se pode tentar vezes sem conta, escondendo o que se pensa, generalizando sobre aquilo que se pensa, dissertando sobre aquilo que os outros pensam, ou ainda, julgando o pensamento de outros, menosprezando-os. Podemos falar sempre do passado, da história de outros regimes de que só ouvimos falar, apontando-lhe aspectos mais negativos (uns reais, outros reprodução constante de mistificações e falsidades), sem nunca encontrar algo que seja de valorizar. Nesta sociedade onde o individualismo impera, onde esta forma de pensar faz parte do processo de socialização de qualquer um, onde somos formatados em “karkassas”, não é de estranhar este vazio conteúdo mascarado de forma erudita, cheio de retórica. Podemos por um ponto de interrogação a seguir a cada afirmação, mas esta é apenas uma questão formal que, se estamos cristalizados nos “dogmas do individualismo”, de pouco serve. Porque a resposta dada pelo interlocutor é logo catalogada de “mensagem de que sou portador”, ou “mensagem que transmito”. Depois vem o irracional e a ofensa, “eu não tenho consideração política por si, nem pelo que escreve, apenas por aquilo que transcreve. A mensagem de que é Portador é que é insidiosa e enganadora”… é uma técnica bem velhinha, que os “karkassas”, sempre usam.

A sobrevalorização da ideia, como um fim em si, é outra marca da “intelectualidade” que tem lugar cativo nos media, onde “os livres pensadores” vão beber. Estes mestres do bem pensar, saltam do DE, para o DN, daí para SIC Notícias, para os prós e prós prós, sempre rotulados de “livres pensadores”. Reproduzem ideologia, fabricam opinião, sempre sobre a tutela de quem lhes paga, de quem detém os meios nos quais se expressam, os mesmos indivíduos que detêm os bancos, as PT’s, as seguradoras. Os mesmos que ora colocam um peão à frente de um ministério, ora em lugares privilegiados no BCP, na Iberdrola, na CGD… mas de que serve uma ideia, neste quadro de profunda injustiça (fosso entre o norte e o sul, fosso entre os ricos nos países do norte e os pobres aí existentes, proliferação do desemprego, abuso do trabalho infantil, restrições ao investimento dos Estados na educação, saúde ou segurança social…) se a ideia não transforma, antes cristaliza? A quem serve este estado de coisas?

À medida que os “karkassinhas” expressam opiniões, vem ao de cima a inconsistência; então aquela do “aproveitar o melhor de dois mundos”, em vez do grito de revolta de que estava mascarada, mais não é que a resignação e a afirmação, sempre presente, de que isto é assim, que temos de levar com o mal e aproveitar o bem, numa “moderna” forma de oportunismo… aquele grito mascarado de revolta, em relação aos sapatos, à UE, mais não é que a resignação… aquela revolta de quem se lixa são os de sempre, mais não é que um apelo à desistência.

Não “karkassas”, é possível transformar, conquistar direitos, combater a injustiça. O velho discurso de que isto é assim, sempre foi assim e não vale a pena mudar, vai ganhando espaço numa altura de hegemonia de uma linha de pensamento, mas não vingará. Esse é o medo dos “karkassas” grandes, que sabem aquilo que a história foi demonstrando – que o Homem tem a capacidade de usar as ideias com um fim, o da transformação do real. Os que hoje dominam sabem que o fazem a prazo e tentam dilatar ao máximo esse período. Cabe aos outros avançar, lutar e fazer a ruptura!

Essa é a esperança, esse é o objectivo!




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