“Na linha fluida da vida, individualidade amorfa”, nome enigmático para uma peça de teatro vanguardista, pelo conceito em que se desenrola, e ousada pela reflexão a que se propõe. Esta peça esteve em cena durante cinco noites, e todos os actores que nela participaram são jovens estudantes do ensino básico e secundário da Escola Frei Heitor Pinto. A oficina de teatro dessa escola, habilmente dirigida por uma professora (uma professora daqueles que ainda conseguem cativar os alunos e leva-los a descobrir caminhos por percorrer), tem feito nos últimos anos um trabalho verdadeiramente notável. Não só consegue produzir um espectáculo de grande qualidade no final do ano (ainda que seja teatro amador), como não se acomoda a textos básicos e pouco exigentes, procurando a formação e a educação dos espectadores, como também cria raízes, permitindo que o projecto não morra e todos os anos tenha uma equipa de alunos empenhados em pegar num texto sério, reflectir sobre ele, representá-lo e mostrá-lo ao público.
Parece simples para quem vê a peça no final do ano. Mas conseguir cativar alunos para ensaios todas as semanas, para decorarem e interpretarem um texto que não é um texto fácil e para terem a capacidade de por cinco noites o apresentar a mais de 60 pessoas por noite, é realmente notável. Ainda mais notável é conseguir que essa rotina se mantenha todos os anos. Ainda são projectos deste tipo que marcam a diferença. Muitos dos estudantes que vão assistir à peça, vão pela primeira vez ao teatro. Descobrem um texto, uma situação, um problema. Vêem pessoas muito próximas deles (amigos, conhecidos) a interpretá-lo. Por outro lado, professores e pais que vão à peça têm não só a oportunidade de ver textos de autores que já conhecem num espectáculo estruturado, como têm a oportunidade de constatar que não estão a formar maquinas na escola, mas sim seres humanos cultos, intervenientes e pensadores.
Depois de uma comédia do Woody Allen no ano passado, este ano brindaram-nos com um texto que junta o universo Pessoano do “Livro do Desassossego” de Bernardo Soares, com o recente “o homem ou é tolo ou é uma mulher” de Gonçalo M. Tavares. A confluência de textos originou o “na linha fluida da vida, individualidade amorfa”:
- Dois Fernando Pessoa interpretados por Pedro Batista e Pedro Videira, ofereciam-nos a voz do criador estético - quem somos, porque o somos, o que é a alma, o que são os outros em nós mesmos -, do inventor de si próprio;
-Os espectadores da cena, interpretados por Rita Marques, Beatriz Barata e Henrique, apresentam-nos a perspectiva de quem observa a criação e a fragmentação do criador;
- O Coro, por Patrícia Garcia e Raquel Abrantes, contextualiza e permite-nos fazer uma ponte mais racional entre o criador, o objecto da criação e o observador;
- E por fim as identidades do ser, as almas do eu, as personalidades das emoções, cinco personagens, interpretadas por Mariana Gomes, Vera Planos, Joana Lourenço, Filipa Afonso, Laura Silva e Diana Rabasquinho, em que se mistura toda a complexidade do pensamento pessoano, a fragmentação do eu, a dor de pensar e de viver, a consciência do absurdo, o anti sentimentalismo, a auto análise, o fingimento poético, o decadentismo, as máscaras de nós próprios, a construção, as múltiplas personalidades de nós mesmos (que somos nós mesmos).
O que deu um fio condutor à história foi a harmonia da interligação de todas as personagens. Apesar de ser necessária uma extrema atenção à peça, porque é muito complexa, ela leva-nos à melhor dimensão a que nos podemos dedicar: à dimensão de nós próprios.
Este projecto está muito à frente da cidade que o acolhe. No grupo há pelo menos duas jovens que querem seguir teatro profissionalmente, e além destes projectos poucas oportunidades têm tido na Covilhã. Não há workshops, ou oficinas, ou conferências, ou análise textual. É por isso que este projecto é uma lufada de ar fresco no vazio cultural desta cidade. Mas o que ainda mais me entristece é que um projecto deste tipo tenha que ficado reduzido ao ginásio da escola, que não seja mostrado à cidade, noutro espaço, com outros públicos… É premente que haja mais diálogo, são oportunidades que perdemos.
Nota máxima para a Oficina de Teatro da Escola Frei Heitor Pinto!
Se Pessoa visse a peça teria ficado orgulhoso com a excelente criação que os grupo fez e não deixaria de criticar a “cidadezinha” sem capacidade para a acolher, ao nível daquilo que ela nos oferece!
2 comentários:
Eu aconcelho-te vivamente em mudar de poiso, pois esta cidadezinha só é má pois tem gentinha do teu nivel que so conhecem a estrada ate Lisboa e o mais longe que foste foi a um qualquer parque de campismo da costa de caparica meu tristezito..............
Mesmo sendo de etnia cigana, julgo do maior interesse este rapaz ter, antes de publicar, deixar revisar os textos por um Professor de Lingua Portuguesa.(arrisco assim chamarem-me de xenófobo)
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