quarta-feira, maio 27, 2009

Dias Loureiro: ANATOMIA DE UM INTOCÁVEL

Por MIGUEL CARVALHO* - Visão - 05 Dez 2008 - Foto de: Luís Barra

A história de Dias Loureiro é um puzzle que ajuda a explicar muito do que tem sido Portugal desde 1985, data da sua ascensão ao poder. Um homem com um percurso de luzes e sombras, que se confunde, por vezes, com as zonas cinzentas de um regime

Quando eu era pequenino…

É uma das figuras mais poderosas do País. Mas sempre disse não ser um homem «do poder político». Fez fortuna de quase nada e até além-fronteiras lhe dão tratamento VIP. Priva com Clinton, Aznar, Durão Barroso e outros dos homens mais poderosos do planeta, alguns com actividades e práticas bastante controversas.

Apanhado pelos estilhaços do «caso BPN», tem-se defendido nos fóruns que lhe foram postos à disposição, reafirmando inocência e comportamento acima de qualquer suspeita. À VISÃO, recusou prestar declarações por considerar «encerrado» o capítulo das entrevistas e esclarecimentos e estar «cansado de dizer uma coisa e sair outra». Agora, adiantou, só falará «noutras instâncias». Mas quem é, afinal, Manuel Dias Loureiro e como personifica, para o bem e para o mal, os poderes reais e paralelos do nosso país?
Dias Loureiro é natural de Aguiar da Beira, terra pequena, pobre e rural, com um castelo altaneiro, onde nasceu, a 18 de Dezembro de 1951. Os pais eram comerciantes (a mãe tinha alguns estudos, mas o pai completou apenas a quarta classe) e vendiam de tudo um pouco, desde tecidos a materiais de construção, incluindo artigos de mercearia. Tinha sete irmãos. Em pequeno, gostava de comer batatas fritas em azeite, ovos estrelados e pastéis de massa tenra.

Aos 9 anos, foi fazer a 4.ª classe num colégio interno em Lamego – não muito longe de casa, mas o suficiente para só ver a família nas férias de Natal, Páscoa e Verão. Ali, os hábitos eram muito rígidos: os alunos levantavam-se às 6 da manhã e havia regras para tudo e hierarquias bem definidas. Nas férias, quando regressava à terra, ajudava os pais e os irmãos no pequeno comércio, todos os dias, incluindo aos domingos.

Seguiu-se uma passagem de dois anos pelo seminário de S. José, em Fornos de Algodres, não porque, segundo diz, quisesse ser padre, mas porque assim tinha uma oportunidade para estudar. A mãe, contudo, ainda hoje está convencida de que ele queria mesmo seguir o sacerdócio, pois, nas suas brincadeiras de criança, «vestia uma saia branca da avó ou enrolava um pano branco à volta do corpo e depois dizia homílias».

Passou ainda pelos colégios de Mangualde e de Tondela, antes de ir para Coimbra, tirar Direito. Por esta altura já não tinha dúvidas de que queria ser advogado para «não ter patrões» e manter a sua independência. A militância na Juventude Universitária Católica foi coisa normal para quem vinha de um meio católico. As leituras de Faulkner e de Open Society, de Karl Popper, viriam, depois, a ter grande influência nas suas ideias e opções.

Coimbra tem mais encanto…

Foi na hora da despedida que Coimbra teve mais encanto para Dias Loureiro. Desde a ida ao congresso da Figueira para apoiar Cavaco, em 1985, foi sempre a subir. Até aí, porém, tinha vivido tempos difíceis. Pouco depois de chegar à cidade, morreu-lhe o pai, com um cancro, em apenas três meses. E perderia o irmão e um tio, quase de seguida. Tempos de algum aperto financeiro também. «Na altura, alguns de nós já tinham carro, mas ele vinha todos os fins-de-semana de Aguiar da Beira sempre de camioneta e vestido de forma muito simples, com umas samarras muito coçadas. Via-se que não tinha muito dinheiro», descreve um colega de curso. Pouco tempo depois de se ter formado em Direito, as idas a casa, no final da semana, começaram a escassear. Recordam-se dele como um estagiário de advocacia que arrebanhava as defesas oficiosas que pudesse, a fim de equilibrar o orçamento. Ao contrário de outros, ele não tinha pergaminhos familiares na advocacia, e «ia a todas, era impressionante», admira-se um desembargador.

No início dos anos 80, os amigos de esquerda e extrema-esquerda tinham ficado para trás. Já militante do PSD, pela mão de Carlos Encarnação – que viria a ser seu secretário de Estado –, Dias Loureiro morava no segundo andar de um prédio comum, com as suas duas filhas e mulher, Fátima Varandas, de quem se divorciou há poucos anos. Ele terá sido pescado para a política pelo líder do PSD/Coimbra, Alexandre Gouveia, em cujo escritório de advocacia trabalhou. «Num ápice, tornou-se adjunto do governador civil e nunca mais ninguém ouviu falar dele como advogado», conta outro juiz. Ângelo Correia, então ministro da Administração Interna, terá dado uma mãozinha na escolha.

Tudo pelo partido

De dirigente do PSD, com Cavaco, a redactor de moções e estratego de vários líderes, o poder e a influência de Dias Loureiro no partido cresceu de forma avassaladora. Foi secretário-geral, numa época em que coleccionou sucessos para o PSD, o dinheiro entrava com mais regularidade no partido «e o financiamento partidário não tinha, praticamente, controlo», explica um ex-titular daquele cargo. Mas o início foi complicado. O comendador Salvador Pereira, emigrante português radicado na África do Sul desde 1964, homem de sucesso nos negócios, sobretudo na área da construção civil, garantiu à VISÃO ter, naquele período, «ajudado como podia. Sempre fui fiel ao PSD e paguei algumas coisas, na altura, as finanças do partido não estavam boas». Diz conhecer Cavaco «desde os tempos de ministro das Finanças» e foi mantendo contactos, em algumas ocasiões, várias das quais solenes. Já com o professor como primeiro-ministro, Dias Loureiro foi-lhe apresentado. «É um bom homem. Ajudou-me num negócio relacionado com a hemodiálise que eu queria montar em Portugal, recomendou-me que fosse ter com o irmão dele para ser nosso advogado e tratar da papelada. Mas as coisas acabaram por não se concretizar», explica, precisando ter perdido «mais de 30 mil contos» só em contactos e burocracias. Amigo de José Cesário, ex-secretário de Estado das Comunidades e antigo adjunto de Dias Loureiro na secretaria-geral do partido, Salvador Pereira garante ter estado sempre disponível para ajudar o PSD, nas suas vindas a Portugal e também na África do Sul. «Passou muita gente por cá e saíram daqui sempre bem agasalhados, nunca lhes faltou nada.» O empresário, natural da Feira, referiu à VISÃO ter-lhe sido igualmente proposta a compra da nova sede, «por mais de 100 mil contos. Pensei, mas disse que não».

No exercício do cargo, uma das marcas deixadas por Dias Loureiro foi precisamente a compra da actual sede do partido, por 100 mil contos, com a ajuda dos militantes, os quais receberam uma carta a pedir uma contribuição financeira. Apesar disso, a sede só acabou de ser paga depois de Dias Loureiro sair. Dessa altura há ainda, segundo um funcionário do partido, a história da compra de um carro blindado para uso do presidente do PSD, a instalação de vidros com dois ou três dedos de grossura no gabinete da presidência e a colocação de portas de ferro na sala da Comissão Política. Estas extravagâncias terão sido propostas por Luís Geraldes, um dos homens que Dias Loureiro escolheu para seu secretário-geral adjunto, que vinha da África do Sul e vivia aterrorizado com a hipótese de o caso Camarate se repetir.

Meu adorado Cavaco

Dias Loureiro esteve com Cavaco desde o dia zero até à altura de arrumar as tralhas da campanha presidencial. As histórias de vida ajudaram: «Não nascemos em berço de oiro», esclareceu, um dia, o ex-gestor do BPN. O professor escolheu-o, em 1985, para secretário-geral, com as finanças do partido nas lonas e sem poder à vista. A vitória nas legislativas daquele ano mudaria tudo. A partir daí, Dias Loureiro foi o fiel servidor de um chefe que, segundo diz, não agia como chefe.

Por ele, pelo PSD, fez de tudo. De hinos a discursos preparados madrugada dentro, com chávenas de chá pelo meio, para Cavaco ler depois. Partilharam a restrita intimidade do poder, férias, tacadas de golfe e almoços de família em São Bento. A empatia ajudou à influência do discípulo. Segundo um ex-governante e actual deputado «laranja», Maria Cavaco Silva também «tinha a sua preferência», inclinando-se «para os jovens turcos [como Loureiro] e menos para os que falavam baixinho e davam conselhos avisados e moderados». Algo «altamente comentado nos círculos mais restritos». Laços nunca quebrados e extensivos a outras pessoas: no gabinete da primeira-dama, em Belém, trabalha hoje Diana Ulrich, antiga assessora de Dias Loureiro. A gratidão de Cavaco também assumiu várias formas. Como Presidente da República, cortou a fita da fábrica da Inapal, em Palmela, elogiando o investimento da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), na presença de Dias Loureiro. E até a inauguração do Estádio Municipal de Aguiar da Beira fez parte da agenda do PR, em Maio do ano passado. «Tenho adoração por ele, de facto», reconheceu o ex-ministro. A única vez que se desencontraram foi, talvez, em confissão. Na sua autobiografia, Cavaco revela não ter convidado Dias Loureiro para o Governo, em 1987, «pela simples razão de não poder prescindir dele no partido». Uma decisão recebida com desgosto. «Foi parco em palavras e fiquei com dúvidas sobre se ele compreendia e aceitava os meus argumentos.» Já o então dirigente diz ter recusado um convite de Cavaco para ministro da Administração Interna, quando ainda era secretário-geral, pois não queria acumular funções no partido com a tutela do SIS. Confusão de datas? Certo é que, pelo menos no «caso BPN», Cavaco acredita «solenemente» na palavra de Dias Loureiro.

Luxos e prazeres caros

«Quando se sai do Governo, precisa-se de ganhar dinheiro, é verdade. Mas passados cinco ou seis anos, tinha o suficiente para não ter de me preocupar com isso», explicou Dias Loureiro. Há dias, reafirmou à RTP que, em 1995, «não tinha dinheiro nenhum». Onze anos depois, a jornalista que entrou no seu gabinete a pretexto de uma entrevista para o Jornal de Negócios viu um espaço que exalava «bom-gosto e dinheiro», com quadros de Cargaleiro e Vieira da Silva. Em 2002, foi noticiado que pagava mais impostos do que o empresário Belmiro de Azevedo.

O curioso é que, em 1991, Dias Loureiro já tinha comprado e remodelado uma vivenda, no Estoril, por 150 mil contos. A origem do dinheiro para a compra e obras foi questionada pelo Expresso, sobretudo porque a casa anterior era em Sete Rios, Lisboa, e custara 9 600 contos. Poderia um vencimento modesto de governante e de advogado em part-time suportar tamanho luxo? «Quem não tem a consciência tranquila em relação ao dinheiro pode tentar escondê-lo. Quem tem a consciência tranquila pode fazer o que entender», disse, então, o detentor da pasta dos Assuntos Parlamentares. E justificava a mudança para a casa da Linha de Cascais com uma herança e venda de propriedades em Coimbra. Avô e divorciado, vive actualmente na quinta Patiño, no Estoril, uma das zonas mais privilegiadas e caras do País (diz-se que cada metro quadrado de terreno custa 5 mil euros), onde residem pessoas da alta sociedade como Rocha Vieira, João Rendeiro, Diogo Vaz Guedes, Stanley Ho ou Stefano Saviotti.

A Dias Loureiro não faltam, igualmente, gostos caros: há uns anos, comprou um Mercedes CL 65 AMG, prateado, com um potentíssimo motor V12. Trata-se de um modelo altamente exclusivo, o mais luxuoso da marca alemã. Em Portugal, não devem existir mais de dez unidades. Custo? Cerca de 275 mil euros. Gasta uns «meros» 14,8 litros por cada 100 km percorridos. As motos também já o entusiasmaram. Preocupante, porém, foi a polémica à volta da sua carta de condução. Em 1995, então ministro da Administração Interna, foi noticiado que a licença havia sido aprovada pelo próprio director-geral de Viação… antes do exame, feito num quartel da GNR, com uma moto da corporação.

Paixão, paixão, é a caça, sobretudo de perdizes. Mas não as come, preferindo distribui-las por amigos. Começou aos 19 anos, nos tempos da faculdade, e, mais tarde, juntou-se a Proença de Carvalho e Carlos Barbosa, com quem detém um couto em Mértola. Foi ele que iniciou Cavaco na caça. Há quem assegure que já participou em caçadas milionárias, em África, daquelas que podem chegar a custar 100 mil euros e que incluem acampamentos, jipes e perseguições. O próprio diz preferir aves. «Nada de caça grossa.»

Após sair do Governo, Dias Loureiro iniciou-se no golfe e pratica-o normalmente, entre as sete e meia e as nove da manhã, perto de casa, no campo do Estoril. Até nas viagens de negócios, seja a Marrocos seja a Palma de Maiorca, aproveita para dar umas tacadas. «O golfe liberta a cabeça», explica. Também gosta de jogar póquer. Ou gostava, pelo menos. Sempre com os amigos e desde que não envolvesse muito dinheiro. Os prémios costumavam ter limites e raramente iam além dos cem contos.

Laços de ternura…

Amigos há mais de 40 anos, Jorge Coelho e Dias Loureiro são praticamente da mesma terra. Tratam-se como irmãos. «Éramos uns brincalhões. Jogávamos futebol e comíamos pastéis de feijão numa casa, junto da escola», contou Coelho ao Jornal de Negócios, já este ano. «Passados 22 anos, reencontrámo-nos e estreitámos relações. Hoje, é um dos meus melhores amigos.» Ambos confrontaram ideias no Correio dos Senadores do jornal Correio da Manhã e até já partilharam a presidência, em 2002, do grupo parlamentar de amizade entre Portugal e Espanha. Coelho sucedeu a Loureiro na Administração Interna. Em quase 35 anos de democracia, durante oito anos alguns dos maiores segredos do País estiveram «guardados»…. por esta dupla inseparável.

Loureiro foi uma das primeiras pessoas a saber que Coelho tinha um cancro. E fez das tripas coração para o ajudar. Ligou a Durão Barroso, este mexeu os cordelinhos em Paris e, dois dias depois, Coelho partia para França a fim de ser visto por um grande médico, a quem Chirac tinha ligado pessoalmente. Coelho confirmou, entretanto, à VISÃO que «há uns cinco anos» pediu «um empréstimo pessoal de 100 mil euros» ao BPN, na altura mais complicada da sua vida. Possui também uma conta na instituição, num balcão de Lisboa. A escolha, explica, resultou do facto de o gerente do balcão ser seu amigo de longa data, facilitando-lhe assim «o despacho rápido» do pedido. «Já não devo nada e paguei tudo direitinho. Neste momento, sou um mero cliente e talvez dos piores», garantiu.

Proença de Carvalho é outro amigo de Loureiro e ambos dão largas à veia de poetas e artistas de variedades. Já gravaram um CD com estas aventuras. Mais a sério, Proença foi o advogado escolhido pelo BPN para processar a revista Exame, quando Dias Loureiro se sentiu «incomodado» com as primeiras notícias sobre o banco, em 2001. Houve acordo e o caso foi enterrado.

Com Aznar encontra-se de vez em quando, incluindo em sua casa. O genro do ex-chefe de Governo espanhol, Alejandro Agag, foi assessor do antigo ministro de Cavaco, no BPN. Agag, ex-vice-presidente do Partido Popular Europeu (PPE), terá facilitado a integração do PSD naquele grupo de eurodeputados e a amizade com Durão Barroso virá desses tempos. Dias Loureiro já jantou e jogou golfe com Bill Clinton.

Com jornalistas, o ex-ministro também nunca se deu mal. Paulo Portas incluído, mesmo no tempo em que as manchetes d'O Independente demitiam ministros. Ou, se calhar, por causa disso, quem sabe? Cavaco não gostava desses relacionamentos dele, no período em que governou e deixou isso registado na sua autobiografia. Baptista-Bastos, de quem Dias Loureiro foi testemunha abonatória, num processo em que o queixoso era Alberto João Jardim, é outro dos seus amigos: «Detestava-o e disse-lho quando o conheci. Até lhe falei no rosto sombrio que ostentava, o que lhe conferia um ar sinistro.» BB ouvira-o, numa manhã de sábado, na rádio: «Ele possuía uma ampla informação política, económica, social e cultural do País. E desenvolveu as suas ideias, associando-as com uma forte componente social-democrata, à maneira, por exemplo, de Willy Brandt e de Olof Palme.» Vai daí, BB escreveu um artigo sobre isso e Dias Loureiro telefonou-lhe de Nova Iorque. Depois disso, foram-se encontrando, entre almoços e uísques, por vezes com Duarte Lima a juntar-se-lhes. Conheceu um Dias Loureiro que «se interessava por livros, pintura e música. E, sobretudo, por pessoas. Ajudou, desinteressadamente, muitas pessoas, entre as quais alguns nossos camaradas de Imprensa, que, neste momento, o ignoram ignobilmente», observa.

Dormindo com o inimigo

Em termos comparativos, Dias Loureiro tem feito mais pela boa imagem do PS e de Sócrates do que Manuel Alegre. Críticas, só à lupa. Nos últimos anos, o antigo governante do PSD foi todo mesuras com o rumo traçado pelo Executivo e saiu a terreiro em defesa do primeiro-ministro. «Se há coisa de que o Governo não pode ser acusado é de querer a todo o custo ganhar votos», afirmou, numa entrevista. Já recusou fazer uma análise «tremendista» e «catastrofista» da gestão do País, censurou a liderança de Marques Mendes por fazer uso do caso da licenciatura do chefe do Governo e emocionou-se com O Menino de Oiro do PS, a biografia autorizada de Sócrates. No lançamento público da obra, elogiou a afectividade, generosidade, sensatez, prudência e coragem do primeiro-ministro, cujo optimismo «faz bem ao País». Já na sequência dos episódios do BPN, Sócrates terá pedido ao PS para poupar nas críticas a Loureiro e outros «cavaquistas» citados nas polémicas sobre o banco. De resto, segundo o histórico socialista António Arnaut, Loureiro é dono da «tradicional irreverência coimbrã», ou seja, «dá-se bem com todos». É amigo de Jorge Coelho desde pequenino (ver outros textos) e também o foi do falecido dirigente Fausto Correia, que o considerou homem de honra, trabalho, «do poder e com poder». No Natal de 2000, editou um disco para amigos, com Almeida Santos. O ex-ministro deu voz a um bolero e à canção Pomba Branca. Na música como noutras matérias, o bloco central não desafina. E só Alfredo Barroso, ex-assessor de Mário Soares em Belém, se atreveu a outras sonoridades: «Nunca percebi as obscuras razões que justificam a credibilidade e a fortuna – políticas, entenda-se! – de que o doutor Dias Loureiro hoje goza», escreveu, em 2001.

Chamem a polícia

O caso da carga policial na ponte 25 de Abril, em 1995, por causa da polémica das portagens marcou o fim do cavaquismo. Mas Dias Loureiro achará que resolveu alguns dos dilemas desse período, quando comprou uns quadros ao homem que ficou paraplégico, na sequência dos incidentes. No Ministério da Administração Interna, entre 1991 e 1995, é recordado como o «ministro que mais perseguiu e aterrorizou os sindicalistas dentro da polícia», atesta Paulo Rodrigues, líder da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP). Vários processos disciplinares foram instaurados e três líderes associativos foram expulsos. Os processos acabariam arquivados, dois deles após a vitória socialista, em 1995. A repressão da actividade sindical na PSP foi, segundo aquele dirigente, a imagem de marca de Loureiro. As superesquadras, a menina dos olhos do seu mandato, foram contestadas por populações e elementos da ASPP. «Havia instruções ministeriais dadas às chefias para transmitirem aos agentes: ‘se não largares a ASPP, vais ter chatices’», conta Paulo Rodrigues. Mal-amado pelas tropas, foi admirado pelas chefias. Alguns oficiais recordam-no como «um dos ministros mais competentes», «atencioso e preocupado» com os subalternos.

Do segredo reza a história?

Dias Loureiro seguia com o «maior interesse» o trabalho e os resultados da actuação dos serviços de informação que tutelava, diz quem o acompanhou de perto nesse período. Mas as incompatibilidades com Ladeiro Monteiro – uma espécie de «pai» do SIS e seu director desde 1986 – começaram cedo. O prestígio histórico do director retardou o afastamento, que só aconteceria em 1994, na sequência da espionagem do SIS a dois magistrados do Ministério Público da Madeira. Para o seu lugar, Dias Loureiro nomearia o seu amigo Daniel Sanches, ao mesmo tempo que remodelaria, também, a chefia da secreta militar, entregando-a ao seu conterrâneo e também amigo Lencastre Bernardo.

Se o SIS já andava em bolandas com insinuações de práticas pouco ortodoxas e de trabalhar a favor do Governo, com a entrada de Sanches as acusações subiriam de tom, dada a proximidade – «cumplicidade», referem dois magistrados – entre o ministro e o novo director. Dentro do SIS, o ambiente deteriora-se, sobretudo após alegadas instruções para vigiar e identificar dinamizadores de manifs e protestos contra o Governo. Dias Loureiro não se livra da fama de querer dossiês pormenorizados sobre figuras de vários quadrantes. Ainda hoje, há quem o considere intocável, dada a relevância de documentos que terá guardado em lugar seguro, fora do País, segundo pessoas das suas relações. «Muita gente lhe deve favores», atesta um magistrado que esteve ligado aos serviços de informações. Confrontado, ao longo do tempo, com a fama granjeada, os métodos usados e os proveitos conseguidos, Dias Loureiro reagiu sempre com indignados desmentidos.

Informação é poder

Em Fevereiro de 2001, poucos dias após ter sido nomeado administrador da SLN, Dias Loureiro convidou Daniel Sanches e Lencastre Bernardo para os quadros da holding detentora do BPN. Ou seja, só dois dos maiores peritos nacionais em espionagem e informações. Segundo fonte judicial, eles «tiveram acesso aos mais valiosos segredos políticos, económicos e empresariais», enquanto estiveram à frente das secretas, informação «do mais alto calibre».

No caso do procurador-geral-adjunto Daniel Sanches, o caso ganha outros contornos: quando, em Fevereiro de 2001, aceita o convite de Dias Loureiro, larga a chefia do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a unidade de elite do MP, criada dois anos antes, com o objectivo de combater a criminalidade mais complexa, sobretudo a económica. «A informação que levo não me vai ser útil», disse, porém, Daniel Sanches quando abraçou o mundo dos negócios. À época, como hoje, vários colegas não ficaram convencidos. Afinal, recordam, foi a Sanches que, em 1999, o então procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, confiou a missão de desenhar e pôr a funcionar o referido departamento. De acordo com magistrados ouvidos pela VISÃO, quando saiu para o BPN, Sanches conheceria como poucos as estratégias investigativas, os meios disponíveis... e a ausência deles, ou não tivesse sido precisamente a «falta de condições de trabalho» o argumento invocado para abandonar o DCIAP.

Em 2003, Dias Loureiro e Daniel Sanches concorreram, em listas opostas, às eleições da Académica de Coimbra. Nos últimos 20 anos, terá sido a única vez que não andaram de braço dado. Não sendo fácil precisar o momento em que cimentaram uma amizade aparentemente indestrutível, há quem considere que os laços entre ambos se fortaleceram devido à influência de Loureiro na nomeação de Sanches para o SEF, durante o primeiro mandato de Cavaco. Na SLN, o magistrado – em licença de longa duração desde 2001 – foi, entre outros cargos, administrador da Plêiade Investimentos e administrador da ServiPlex (Recursos Humanos) e da Vsegur (segurança privada).

A polémica do SIRESP…

Foi também pela mão de Dias Loureiro que, em 2004, Daniel Sanches chegou a ministro, no Governo de Santana Lopes, com a tutela de uma área que fora de Loureiro, a Administração Interna. Sanches protagonizou uma das maiores polémicas do efémero Executivo laranja quando, três dias após a vitória de Sócrates, em 2005, adjudicou o negócio do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) a um consórcio liderado pela SLN, para a qual trabalhara entre 2001 e 2004. O contrato deste sistema de comunicações entre as polícias era da ordem dos 540 milhões de euros.

O então ministro escudou a sua decisão num parecer oral do procurador Mário Gomes Dias, então auditor do MAI – e hoje vice-PGR – que atestou tratar-se de «um acto urgente». Mas novo parecer da Procuradoria invalidaria o primeiro. E o Executivo PS renegociou novo contrato com a SLN, ficando o SIRESP por 485 milhões de euros.

Ao contrário dos administradores das entidades do consórcio, todos constituídos arguidos por suspeitas de tráfico de influências e participação económica em negócio, Sanches não foi sequer chamado como testemunha ao inquérito, que acabaria arquivado pelo Ministério Público, em Março deste ano. O procurador encarregado do processo, Azevedo Maia, nem sequer inquiriu qualquer um dos dez arguidos. Entretanto, o papel de Dias Loureiro neste imbróglio foi amplamente questionado. O ex-ministro justificou a sua ausência de interesse com o facto de presidir à Erickson, uma empresa concorrente da Motorola, parceira da SLN no negócio. Mas, tal como informa fonte da PJ que acompanhou o caso SIRESP, «a Motorola era, desde a altura de Dias Loureiro no Governo, um dos grandes fornecedores de material de comunicações ao MAI», o que a tornava possuidora de «conhecimento privilegiado».

Este terá sido, à data, um dos motivos que levaram os outros quatro concorrentes a desistir do projecto e a questionar a sua imparcialidade, alegando ter-lhes sido fornecida pouca informação sobre as infra-estruturas a utilizar na montagem do SIRESP. Foram feitas várias reclamações e pedido um alargamento do prazo, mas, pouco tempo depois, dirigentes das quatro outras empresas interessadas terão chegado à conclusão de que o concurso já teria vencedor antecipado. Isso mesmo terá sentido Carlos Salema, ex-presidente do Instituto de Telecomunicações. Ouvido pela PJ, considerou os 65 dias dados pelo Governo para os concorrentes visitarem os 225 locais com infra-estruturas utilizáveis pelo SIRESP um prazo «manifestamente insuficiente», favorecendo assim «o concorrente que tivesse acesso a informação privilegiada».

… e o caso da OMNI

Em Dezembro de 2004, a compra de seis aviões Canadair para o combate aos incêndios florestais, decidida pelo Governo do PSD, constituiu mais um bom negócio para a SLN. A OMNI, do grupo de Dias Loureiro, representante exclusiva em Portugal daquelas aeronaves, já era responsável pelo aluguer de aviões à Protecção Civil. A decisão correspondeu a um contrato de 150 milhões de euros, assente num estudo pedido pelo MAI de Daniel Sanches a uma consultora, a Roland Berger. Pormenor relevante: a OMNI foi a única empresa do sector contactada no âmbito daquele estudo. Dias Loureiro alegou desconhecimento de qualquer assunto relacionado com a OMNI. A mudança de Governo acabaria por bloquear o negócio, mas a posição dominadora da SLN nesta área, e, em particular de Dias Loureiro, continuou sob suspeita. Em Setembro desse ano, Francisco Louçâ acusou-o de promover um negócio assente na continuação dos incêndios. Loureiro apelidou o bloquista de terrorismo político e anunciou que o ia processar. Ainda hoje Louçã aguarda a notificação…

Dez anos antes, Dias Loureiro, então titular da pasta da Administração Interna, anunciara a abertura de um concurso internacional para dotar Portugal de meios modernos de detecção e comunicação, necessários ao combate de incêndios florestais. Tinha cerca de 5 milhões de contos para investir na prevenção e combate aos incêndios. Prometia aviões de grande tonelagem, a «melhor tecnologia do mercado» e o fim das sucessivas suspeitas e irregularidades que envolviam os concursos para meios aéreos do Serviço Nacional de Bombeiros (SNB). A OMNI ganhou a concessão.

Dois anos depois, já com o PS no Governo e Jorge Coelho no lugar de Loureiro na tutela do MAI, a OMNI, uma empresa do grupo Plêiade, de José Roquete, ganhou, pela segunda vez consecutiva, a fatia de leão do fornecimento de meios aéreos a adjudicar no concurso do SNB, ainda que acusada pelas empresas concorrentes de «favorecimento» e «concurso feito à sua medida». O cérebro da Plêiade era agora... Dias Loureiro. José Roquete tinha-lhe dado 15% do grupo em stock options, a que somara mais 7% do capital para efeitos de distribuição dos lucros. O ex-ministro era também administrador executivo da OMNI. Armando Vara, secretário de Estado de Coelho, assinou a adjudicação a esta empresa. As preteridas – Heliportugal e HFS – justificaram os protestos com o facto de a solução excluída diminuir os gastos do SNB em mais de 200 mil contos, à época.

As suspeitas de favorecimento da OMNI repetiram-se em 1997, quando a empresa ganha o concurso para o fornecimento de três helicópteros ao INEM, destinados a operações de socorro. Antes de ser conhecido o caderno de encargos fixando o número e as características das aeronaves, já a OMNI adquirira o número de helis pretendido com as características indicadas no caderno....

Amizades das Arábias

Em 2004, um livro editado em Espanha sobre o poder e a influência de Alejandro Agag, genro de Azna – Los PPijos – ligava Dias Loureiro a El-Assir, um libanês citado como «traficante de armas», que o ex-ministro convidou para o casamento da sua filha com o filho de Ferro Rodrigues, em Setembro de 2003. Apesar de reconhecer a amizade com o árabe, Loureiro não gostou de ser associado a El-Assir, tendo garantido publicamente que iria impedir a utilização do seu nome em futuras edições da obra. «Até ao dia de hoje, nenhum advogado contactou connosco ou com a nossa editora para que o nome de Dias Loureiro seja suprimido do livro», esclareceu à VISÃO Nacho Cardero, um dos autores.

Mas quem é, afinal, El-Assir? Influente em círculos do bloco central espanhol, em 1994 pediu ao Governo do PP cerca de 10 milhões de pesetas para intermediar um contrato de fornecimento de armas a Marrocos, através de Fundos de Apoio ao Desenvolvimento. Além dos seus negócios de armas com o Egipto, a Somália e outros países, o árabe, cujos rendimentos circulam habitualmente por contas de diversos paraísos fiscais, foi relacionado com escândalos de enriquecimento ilícito e branqueamento de capitais, envolvendo governantes da América Latina. Dono de mansões e estâncias de Inverno espalhadas pelo mundo, El-Assir foi discípulo e cunhado de Adnan Kashougui, ex-padrasto do falecido Dodi Al Fayed e pretendente da Princesa Diana, além de sócio das famílias Bush e Bin Laden, em vários negócios. O saudita é citado nas hemerotecas como um dos maiores traficantes de armas do mundo. Por seu lado, El-Assir é amigo do Rei Juan Carlos, com quem já partilhou diversas caçadas e foi por seu intermédio que Dias Loureiro conheceu o monarca. Assir era, igualmente, próximo do Rei Hassan II, de Marrocos.

Neste país, Dias Loureiro foi administrador da REDAL, uma empresa de águas e energia eléctrica que acabaria na posse do grupo BPN, via Plêiade. A concessão, que resultou num investimento de 250 milhões de contos, à época, e deu muito dinheiro a ganhar a Loureiro, segundo versão do próprio, não teria sido possível sem a ajuda e a influência do seu amigo, o ministro do Interior de Marrocos, Driss Basri, governante que morreu exilado em Paris após 25 anos de poder e depois de ser afastado por Mohammed VI do Governo marroquino. Este homem, que Dias Loureiro conheceu enquanto ministro da Administração Interna, com quem celebrou protocolos de Estado e visitava amiúde, foi processado por alegado genocídio de mais de 500 sarauis pelo juiz Baltazar Garzon, tendo deixado uma lista considerável – e em alguns casos, confessa – de tortura, assassínios, compra de votos e suborno de políticos. As imprensas francesa e marroquina garantem que nenhum negócio se fazia em Marrocos sem a sua bênção. Basri, a «Alcachofra», chegou, inclusive, a ser citado como portador de umas malas de «generosas contribuições» do Rei Hassan II para a campanha do ex-Presidente francês, Jacques Chirac, em cujo Governo se encontrava outro conhecido vértice deste triângulo de amizades: Charles Pasqua, ex-ministro do Interior, actualmente a ser julgado no processo Angolagate por alegado envolvimento no tráfico de armas para Angola, nos anos noventa.

Epílogo... ou talvez não

Dias Loureiro diz, após serem conhecidas as primeiras notícias sobre o caso BPN, que tem uma honra a defender. A sua versão é conhecida e pretende revelar o retrato de um homem que pouco ou nada sabia de comprometedor para o banco, apesar das suas funções na SLN, entre 2001 e 2005, onde ganhou, primeiro, 2 500 contos, e mais tarde 8 500 euros por mês «sem prémios de gestão». Já deu entrevistas sobre o tema, esclareceu o que queria, pediu para ir ao Parlamento. Afirma ter uma vida transparente. Admite que os contactos na política lhe facilitaram os negócios. E só quer uma coisa: «Que tudo se esclareça.»

* com Cesaltina Pinto, Sónia Sapage e Tiago Fernandes

pagina-um.blogspot.com

1 comentário:

José Machado disse...

Ah!Grande homem!!!!!!!