Segue um inédito publicado em 2007 na revista Praça de Aveiro, onde estudei no referido ano. Este que faz parte de um trabalho de dez contos, passados entre a Covilhã e a Serra da Estrela, que escrevi entre 2007 e 2009 e que, mais tarde, pretendo editar numa compilação intitulada "Contos da Minha Terra". Se quiserem publicar, fica ao vosso critério.
"Na calada da noite"
Dizia-se antigamente que o chupa-cabras visitava, na calada da noite, a cidade da Covilhã. Vários relatos contavam estranhos encontros com a vil criatura que, de noite para noite, se tornava mais ameaçadora. Certa noite, Rúben, um pré-adolescente irrequieto, desses que irritam sobremaneira os mais velhos, fugiu de casa. O miúdo, que queria brincar na rua com os amigos naquela noite, fez uma birra valente e os pais castigaram-no, enclausurando-o no seu quarto. A resposta óbvia de um miúdo travesso é a fuga! Planeou-a cuidadosamente e quando surgiu oportunidade escapou-se pela janela.
A noite estava estrelada, o miúdo vacilou. Era a primeira vez que Rúben estava sozinho na rua àquela hora. A coragem que demonstrara no seu quarto, minutos antes, fugira-lhe agora inexplicavelmente. Mas Ruben não queria desistir, encheu o peito de ar e traçou caminho pelo passeio. Quando chegou ao cimo da sua rua, a famosa Calçada Alta, o miúdo encontrou uma senhora que se aproximou, estranhando o facto de o miúdo estar sozinho.
- Que fazes sozinho na rua a esta hora rapazinho?
Rúben não parou e respondeu a fugir.
- Vou para casa.
O miúdo, que entretanto começara a subir a Calçada de Santo André, ainda ouviu a mulher ao longe.
- Cuidado com o chupa-cabras!
Rúben sabia que era costume dos mais velhos fazerem referência ao chupa-cabras com intuito de amedrontar os mais novos. Já ouvira falar da criatura que deambulava pelas noites da Covilhã, mas não se deixava assustar assim tão facilmente. A meio trajecto da Calçada, Rúben resolveu virar à esquerda e subir uma velha ruela. A única fonte de iluminação escapava de um candeeiro adiante na pequena rua. Rúben tremeu e olhou ao seu redor. Ouviu passos. Não ligou e iniciou marcha ruela acima. Começou então a ouvir uma respiração ofegante. Assustadoramente ofegante. Uma lágrima surgiu-lhe no canto do olho. Apressou-se. Ouviu um estrondo. O barulho de um vidro a partir-se. A luz desapareceu e o miúdo ficou no escuro. O barulho da respiração ofegante era agora mais intenso. As lágrimas percorreram-lhe o rosto. Tentou mexer-se mas não conseguiu. Aquela respiração sinistra parecia estar agora sobre a sua cabeça. Sentiu uma mão colossal no seu rosto. Um peso enorme caiu sobre ele. O miúdo gritou mas de nada lhe valeu. Aquele desmedido peso que o levava de encontro ao chão parecia não se escutar. Continuava a respirar ofegantemente e fazia uns ruídos estranhos. O miúdo chorou e berrou até não poder mais. As forças faltaram-lhe, Rúben desfaleceu.
Dois dias depois, num banco do jardim municipal, alguém lia no jornal da cidade:
«“Acidente caricato na Covilhã”
“Um menino de onze anos foi encontrado em estado de choque numa ruela da cidade. Rúben, que fugira de casa, subia a pequena ruela quando um homem bêbedo partiu, com uma pedra, o único candeeiro da rua e lhe caiu em cima, adormecendo em seguida.”»
-FIM-
O conteúdo é ficção genuína.
Ivo M. Silva, 2007
Ivo M. Silva
www.ivomsilva.pt.vc
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