quinta-feira, setembro 10, 2009

«Dizia-se antigamente que o chupa-cabras visitava, na calada da noite, a cidade da Covilhã...»

É neste espaço que escrevo a rúbrica "Volumes de Babel", dividida em duas secções: Novidades Literárias; Sabia que...A cultura literária perde-se cada vez mais no nosso país e combater essa tendência é o nosso dever. Gostaria portanto de ver esta minha rúbrica no melhor e mais conhecido (nada de bajulo, apenas uma opinião sincera que já havia manifestado anteriormente) blogue da região. Se houver disponibilidade da vossa parte, a hora seria toda minha.

Segue um inédito publicado em 2007 na revista Praça de Aveiro, onde estudei no referido ano. Este que faz parte de um trabalho de dez contos, passados entre a Covilhã e a Serra da Estrela, que escrevi entre 2007 e 2009 e que, mais tarde, pretendo editar numa compilação intitulada "Contos da Minha Terra". Se quiserem publicar, fica ao vosso critério.

"Na calada da noite"

Dizia-se antigamente que o chupa-cabras visitava, na calada da noite, a cidade da Covilhã. Vários relatos contavam estranhos encontros com a vil criatura que, de noite para noite, se tornava mais ameaçadora. Certa noite, Rúben, um pré-adolescente irrequieto, desses que irritam sobremaneira os mais velhos, fugiu de casa. O miúdo, que queria brincar na rua com os amigos naquela noite, fez uma birra valente e os pais castigaram-no, enclausurando-o no seu quarto. A resposta óbvia de um miúdo travesso é a fuga! Planeou-a cuidadosamente e quando surgiu oportunidade escapou-se pela janela.

A noite estava estrelada, o miúdo vacilou. Era a primeira vez que Rúben estava sozinho na rua àquela hora. A coragem que demonstrara no seu quarto, minutos antes, fugira-lhe agora inexplicavelmente. Mas Ruben não queria desistir, encheu o peito de ar e traçou caminho pelo passeio. Quando chegou ao cimo da sua rua, a famosa Calçada Alta, o miúdo encontrou uma senhora que se aproximou, estranhando o facto de o miúdo estar sozinho.

- Que fazes sozinho na rua a esta hora rapazinho?

Rúben não parou e respondeu a fugir.

- Vou para casa.

O miúdo, que entretanto começara a subir a Calçada de Santo André, ainda ouviu a mulher ao longe.

- Cuidado com o chupa-cabras!

Rúben sabia que era costume dos mais velhos fazerem referência ao chupa-cabras com intuito de amedrontar os mais novos. Já ouvira falar da criatura que deambulava pelas noites da Covilhã, mas não se deixava assustar assim tão facilmente. A meio trajecto da Calçada, Rúben resolveu virar à esquerda e subir uma velha ruela. A única fonte de iluminação escapava de um candeeiro adiante na pequena rua. Rúben tremeu e olhou ao seu redor. Ouviu passos. Não ligou e iniciou marcha ruela acima. Começou então a ouvir uma respiração ofegante. Assustadoramente ofegante. Uma lágrima surgiu-lhe no canto do olho. Apressou-se. Ouviu um estrondo. O barulho de um vidro a partir-se. A luz desapareceu e o miúdo ficou no escuro. O barulho da respiração ofegante era agora mais intenso. As lágrimas percorreram-lhe o rosto. Tentou mexer-se mas não conseguiu. Aquela respiração sinistra parecia estar agora sobre a sua cabeça. Sentiu uma mão colossal no seu rosto. Um peso enorme caiu sobre ele. O miúdo gritou mas de nada lhe valeu. Aquele desmedido peso que o levava de encontro ao chão parecia não se escutar. Continuava a respirar ofegantemente e fazia uns ruídos estranhos. O miúdo chorou e berrou até não poder mais. As forças faltaram-lhe, Rúben desfaleceu.

Dois dias depois, num banco do jardim municipal, alguém lia no jornal da cidade:

«“Acidente caricato na Covilhã”

“Um menino de onze anos foi encontrado em estado de choque numa ruela da cidade. Rúben, que fugira de casa, subia a pequena ruela quando um homem bêbedo partiu, com uma pedra, o único candeeiro da rua e lhe caiu em cima, adormecendo em seguida.”»

-FIM-

O conteúdo é ficção genuína.

Ivo M. Silva, 2007


Cumprimentos,
Ivo M. Silva
www.ivomsilva.pt.vc

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