quinta-feira, dezembro 23, 2010

"R´etratos", por João Mineiro "_Um Natal em dança de balcão...

Boas festas - dizem aqui e ali… Todos e todas gostamos muito de desejar boas festas uns aos outros e de todos os anos voltarmos a repetir os mesmos votos de fim de ano, as mesmas deixas do Natal. Deixa-nos bastante confortáveis podermos pensar que para o ano é que vai ser, para o ano é que esta porra vai finalmente correr bem. Entretanto, mesmo não sendo o profeta da desgraça, gosto de pensar o que festejamos nós afinal… Mas deixo só a pergunta, porque se começo a dissertar sobre o pânico social que vai ser 2011 os mercados aumentam os juros da dívida e lá vem outra vez o nosso FMI limar umas arestas ao nosso salário, ou às nossas bolsas de estudo, ou aos nossos impostos, ou aos nossos subsídios sociais, ou a qualquer coisa que tenha como objectivo proteger pessoas e garantir igualdade e subsistência. Ficaria, na verdade, deprimido e não ia beber copos e cantar com os meus amigos dia 31, por isso mais vale pensar que tudo vai correr bem, enquanto ficamos em casa em frente à lareira assistindo à degradação do 1984 do Orwell transformado outra vez em reality show !

O incógnito Scorpio Mab pediu-me que esquecesse desta vez a crise e escrevesse algo positivo sobre o Natal ou outra coisa qualquer. Acho que o sentimento que me invade enquanto escrevo este texto é sintomático da minha geração. E por muito que recalcasse os meus instintos naturais para escrever sobre pessoas, seria muito complicado de o fazer de forma não hipócrita.

Posto que sobre o Natal para mim há uma ou duas perguntas a fazer: onde é que está o menino Jesus dos sem-abrigo das cidades que passam o Natal, como outra noite qualquer, deitados sobre cartões? O Natal é um encontro da família, é um Alzheimer social do que tem corrido mal, e é muito bom podermos estar juntos e esquecer tudo o que nos divide, mas e para as pessoas que não têm família? O que é o Natal para quem a família não existe? Com as nossas famílias juntamo-nos à lareira a cantar pelo bem-estar dos `pobrezinhos`, mas por baixo da nossa varanda, ou até na casa em frente, pode estar um desses `pobrezinhos` que diariamente nos passa ao lado… Queremos falar da Covilhã, onde passará o Natal o Santa Ováia, o Mantengueiro? Quem não tem com quem passar o Natal, será que tem Natal? É uma visão simplista demais pensar que é tudo como na nossa casa.

Depois do Natal, despedimo-nos, fazemos votos felizes de fim-de-ano, os mesmos votos de fim de ano, e os pobres continuam no mesmo sítio, à mesma hora, com o mesmo que comer e que vestir, e nunca mais nos lembramos de questionar um sistema que produz e reproduz pobreza… nem de perguntar porque é que isto tem que ser assim?!?

Já o Zeca cantou há muito o seu Natal dos pobres e em todo o caso os pobres por quem Zeca cantava continuam ai, em todas as esferas da vida e da forma mais camuflada que nem não nos apercebemos por vezes que existem tão perto de nós.

E assim como antes, continuamos a desejar boas festas, as mesmas boas festas de sempre… E ainda assim, o Mundo mantém-se (mais um bocadinho para frente, ou mais um bocadinho para trás) o mesmo Mundo de sempre, o Mundo de alguns.

Sinal dos tempos será que já não vivemos o “Natal dos Pobres” do Zeca, vivemos mais em clima de “Dança de Balcão” dos Virgens Suta. O vinho mantém-se, apenas o vinho…

Bom Natal


Saudações.

João Nuno Mineiro


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1 comentário:

Anónimo disse...

Quando começas a pensar por ti e não apenas a reproduzir as cassetes do bloco?