terça-feira, junho 15, 2010

Um funeral à chuva - entrevista com o guionista Luís Campos

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Dia 3 de Junho estreia em 20 salas do País o filme “Um fune­ral à chuva”, escrito por Luís Cam­pos e rea­li­zado por Telmo Martins.

É um dos pri­mei­ros fil­mes a ser rea­li­zado em Por­tu­gal segundo um modelo inde­pen­dente, sem apoios do Estado, recor­rendo ape­nas a apoios de empre­sas pri­va­das e à boa von­tade de todos os envol­vi­dos, que aceitaram tra­ba­lhar em fun­ção de divi­den­dos futu­ros. Ape­sar disso conseguiu con­ven­cer os dis­tri­bui­do­res e exi­bi­do­res a estreá-​​lo em cerca de vinte salas em todo o país.

Apro­vei­tei a opor­tu­ni­dade para fazer uma pequena entre­vista com Luís Cam­pos, o autor do guião.

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O rea­li­za­dor Telmo Mar­tins (esquerda) e o gui­o­nista Luís Cam­pos,

durante as filmagens


João Nunes

Fala-​​me um pouco do pro­jecto. Como sur­giu o “Um Fune­ral à chuva”?

Luís Cam­pos

A Lobby Pro­duc­ti­ons foi fun­dada há 3 anos, na Covi­lhã. Os 4 mem­bros fun­da­do­res foram ex-​​colegas uni­ver­si­tá­rios: Telmo Mar­tins, Orlan­dina Vei­ros, João Fei­tor e Luis Dias. Todos já tinham tra­ba­lhado enquanto equipa em diver­sos pro­jec­tos de curta-​​metragem, algu­mas pre­mi­a­das em festivais. Antes de fun­da­rem a Lobby haviam, jun­tos, pro­du­zido cur­tas como “Rupo­fo­bia”, “Uten­sí­lios do Amor”, “Cros­swalk”. Nes­sas cur­tas anexaram-​​se alu­nos do curso de cinema da Uni­ver­si­dade da Beira Inte­rior, entre eles, eu, e fomos for­mando uma espé­cie de equipa de trabalho.

João Nunes

E o Fune­ral, como surgiu?

Luís Cam­pos

Há cerca de 3 anos atrás, quando está­va­mos a rodar o “Uten­sí­lios” o Telmo e o Luis come­ça­ram a esbo­çar um argu­mento que abor­dava o reen­con­tro de ex-​​colegas uni­ver­si­tá­rios na oca­sião da gra­du­a­ção de um deles. De certa forma, esta­vam a trans­cre­ver para papel algu­mas das memó­rias deles enquanto estu­dan­tes. Foi no Uten­sí­lios, que teve um guião do Jorge Vaz Nande, e esse novo pro­jecto foi pas­sado ao Jorge. O Jorge come­çou a escre­ver o guião de um filme que era inti­tu­lado “Tempo Pre­sente — Memó­rias de Um Estu­dante”. Entre­tanto fundou-​​se a Lobby, fize­mos mais umas coi­sas jun­tos, eu ter­mi­nei o Mes­trado em 2008 e o pro­jecto da longa foi-​​se cimen­tando. No iní­cio de 2009 entrei num está­gio pelo Inov-​​Art em Bar­ce­lona a fazer repre­sen­ta­ção da Lobby entre diver­sas tare­fas rela­ci­o­na­das com con­sulta de mer­cado, ela­bo­ra­ção de estra­té­gias de desen­vol­vi­mento inter­na­ci­o­nal, etc. Entre­tanto o guião do Jorge havia sido sub­me­tido ao ICA (Ins­ti­tuto do Cinema e Audi­o­vi­sual), sem sucesso. Durante o meu está­gio foram-​​se con­se­guindo defi­nir impor­tan­tes par­ce­rias na Beira Inte­rior que faci­li­ta­riam uma pos­sí­vel roda­gem do filme. Por volta de Junho de 2009 con­cor­re­ram com o guião ao FICA(Fundo de Inves­ti­mento do Cinema e Audi­o­vi­sual) e o pro­jecto foi apro­vado mas o guião neces­si­ta­ria de melhorias.

João Nunes

Como é que entraste no projecto?

Luís Cam­pos

Como eu estava em Bar­ce­lona, na altura e tinha escrito recen­te­mente alguns pro­jec­tos para a Lobby, de séries tele­vi­si­vas e curtas-​​metragens, abordaram-​​me no sen­tido de “melho­rar” o guião do Jorge. Achei que tal não fazia sen­tido uma vez que eu até não era entu­si­asta pela estru­tura e desen­vol­vi­mento do guião exis­tente. Pro­pus ao Telmo res­cre­ver algo do zero base­ado na mesma pre­missa de reen­con­tro de ex-​​colegas, mas com estru­tura, per­so­na­gens e plots com­ple­ta­mente dife­ren­tes. Aí che­guei à ideia do fune­ral, adi­ci­o­nei per­so­na­gens e escrevi um guião de raiz. A ideia foi rejei­tada a pri­ori mas, após 3 dias e um pri­meiro esboço, lá os con­se­gui convencer.

João Nunes

Um pri­meiro esboço de quê? Do novo guião? Ou uma sinopse?

Luís Cam­pos

Sim. O guião. A 1ª ver­são foi feita em 3 dias!!

João Nunes

P***! Não posso pôr isso no site!

Luís Cam­pos

?(risos)

Eu sei! Mas é a ver­dade. Isto foi em Junho.

João Nunes

Con­ti­nua…

Luís Cam­pos

Depois limaram-​​se uns por­me­no­res, consultaram-​​se umas opi­niões e acrescentámos/​corrigimos algu­mas cenas. Gos­ta­ram tanto que deci­di­ram sub­me­ter esse novo guião ao FICA. No final de Junho rece­be­mos a notí­cia do FICA de que não tinha sido apro­vado. Tal notí­cia foi o “leit-​​motif” da ini­ci­a­tiva de pro­du­zir inde­pen­den­te­mente. A Lobby, can­sada de pro­cu­rar apoios, como tinha essa base de empre­sas que aju­da­ria a pos­si­bi­li­tar a pro­du­ção do filme em ter­mos de emprés­ti­mos de mate­rial, alo­ja­men­tos, refei­ções, etc., deci­diu orga­ni­zar as coi­sas e preparou-​​se para rodar o já “Um Fune­ral à Chuva” em Setem­bro na Covi­lhã. Contactaram-​​se acto­res tendo em vista a par­ti­ci­pa­ção pro bono à base de royal­ties futu­ros, depen­den­tes das recei­tas, juntou-​​se parte da equipa que já havia tra­ba­lhado em ante­ri­o­res pro­jec­tos, anexaram-​​se mais alguns alu­nos do curso de cinema da UBI e, em Setem­bro, está­va­mos nós a rodar.

João Nunes

Que ver­são do guião roda­ram? Quan­tas depois da primeira?

Luís Cam­pos

Acho que a 5ª ver­são, mas se hoje con­sul­ta­res a 1ª não é mons­tru­o­sa­mente dife­rente da 5ª. Tem dife­ren­ças estru­tu­rais, obvi­a­mente, a 1ª ver­são era mais “claus­tro­fó­bica”, centrava-​​se muito mais no jan­tar do reen­con­tro, que, no filme como está, ainda ocupa grande parte do filme. Seria, tal­vez, menos comer­cial. Eu tinha visto um filme recen­te­mente que me influ­en­ciou muito para a escrita dessa sequên­cia, “O Segredo de Um Cus­cuz”, todo o rea­lismo dos per­so­na­gens, era um pouco isso que pro­cu­rava. Ide­a­li­zei algo mais “indie”, nessa 1ª ver­são, mas depois foi mais adap­tado a uma estru­tura mais clas­si­cista, mais ao agrado do público, que com­pre­endo e aceito e apoio. Ape­sar de não exis­tir filme mais indie que este, tal con­ceito não se reflecte muito na lin­gua­gem cine­ma­to­grá­fica do filme, ao con­trá­rio do que ide­a­li­zei inicialmente.

João Nunes

Agrada- ​​me essa ideia. Indie na forma de pro­du­ção, mas pre­o­cu­pado em encon­trar uma audiência.

Luís Cam­pos

Con­ti­nu­ando — na roda­gem fui 1º assis­tente de rea­li­za­ção e se há con­se­lho que posso dar é: nunca sejam 1º assis­tente de rea­li­za­ção de um filme com guião vosso.

(risos)

Por­que há mui­tos pon­tos de dis­cór­dia e terão de moti­var uma equipa durante 1 semana ou 1 mês para aspec­tos do filme que até podem não con­cor­dar. Ou seja, se há cargo que pode não ter cor­rido muito bem na roda­gem do filme foi o de 1º assis­tente de realização.

João Nunes

Houve mui­tas alte­ra­ções ao guião durante a roda­gem? Cenas novas, alte­ra­ções de diá­lo­gos, improvisações?

Luís Cam­pos

Houve algu­mas. Uma das per­so­na­gens teve de ser re-​​criada em ter­mos de diá­lo­gos e o clima/​ambiente do filme inti­mista for­çou a que em algu­mas cenas se desse azo à liber­dade impro­vi­sa­ci­o­nal dos acto­res. Alguns comentários/​falas no filme con­se­guem ser hiper-​​realistas por­que saí­ram no momento. Há uma sequên­cia do filme perto do final, na capela em que cada um dos per­so­na­gens vai “pri­var” com o morto e alguns dos tex­tos dos per­so­na­gens foram cor­ri­gi­dos em fun­ção do que havia sido gra­vado até então. Outro há que deve­ria ter sido e não o foi e isso reflecte-​​se no filme mas não é grave. Foi uma per­so­na­gem que foi escrita em fun­ção de outro tipo de per­so­na­li­dade e, ao longo da roda­gem, foi sendo alterado.

João Nunes

Deve ser com­pli­cado estar nessa dupla fun­ção de 1º assis­tente e guionista.

Luís Cam­pos

Muito mesmo, não volto a fazê-​​lo, por­que ape­sar de eu e o Telmo ter­mos tido muita coisa em acordo há sem­pre algu­mas dis­cór­dias e, enquanto 1º assis­tente, tens de saber levar a opi­nião dele avante e moti­va­res uma equipa em fun­ção disso.

João Nunes

Mesmo que não acre­di­tes a 100%.

Luís Cam­pos

Yep. Tens que saber fazer os outros acre­di­tar e acre­dita que não é fácil.

João Nunes

Acre­dito, sim.

Luís Cam­pos

Muito menos quando as pes­soas estão de borla e alguns sacri­fí­cios estão cons­tan­te­mente a ser pos­tos em causa.

João Nunes

Falando nisso: como foi o teu acordo para este filme? Não em ter­mos de valo­res mas de modelo de remuneração.

Luís Cam­pos

Foi à base de royal­ties tam­bém; há uma per­cen­ta­gem envol­vida. Havia um acordo em que caso se ganhasse o FICA o meu hono­rá­rio seria pago a pri­ori. Mas como não foi esse o caso estou, como todos os outros, depen­den­tes das receitas.

Luís Cam­pos

Con­ti­nu­ando nos improvisos…

João Nunes

Sim…

Luís Cam­pos

…antes da roda­gem houve obvi­a­mente todo um tra­ba­lho de planificação/​decoupage ela­bo­rado pelo Telmo, em fun­ção do qual eu orga­ni­zei e estru­tu­rei a roda­gem. Mas quando não tens meios e tens uma cena pen­sada para 40 pla­nos aca­bas sem­pre por te ren­der ao tempo que tens e impro­vi­sar dia­ri­a­mente para que con­si­gas ter a cena. Deixa de haver espaço para capri­chos cri­a­ti­vos, o impor­tante é garan­ti­res a cena, per­de­res o mínimo pos­sí­vel do que ima­gi­naste. Neste filme aca­bou por não se per­der muito do que se ide­a­li­zou. Houve uma parte dessa cena da capela que se per­deu, a tran­si­ção para o fune­ral, e na sequên­cia final, do fune­ral, tam­bém houve algo que se per­deu mas, em fun­ção disso, aca­bou por se ganhar algo mágico. A sequên­cia do final envolve mui­tas core­o­gra­fias, figu­ran­tes, jogo de acto­res, efei­tos espe­ci­ais — chuva, vento, fumo, etc. — e um plano de grua. A cena estava pen­sada para cerca de 20 pla­nos aca­bou por se fazer quase toda em 1 plano-​​sequência. Tive­mos 2 dias para fil­mar o fune­ral, enquanto hou­vesse luz do sol, e no 1º dia aca­bá­mos por não fil­mar quase nada e o pouco que fil­má­mos nem se apro­vei­tou. O 2º dia foi de esgo­ta­men­tos, como é óbvio, e deci­di­mos par­tir para o plano deci­sivo em 1 take perto do final do dia. É um plano sequên­cia de cerca de 7 minu­tos em que ou cor­ria bem ou não havia filme.

João Nunes

O tudo ou nada.

Luís Cam­pos

Feliz­mente, conseguiu-​​se coor­de­nar tudo bem, seguir a intui­ção em alguns por­me­no­res e resul­tou muito muito bem, era impos­sí­vel cor­rer melhor. Eram as rou­pas dos acto­res que se molha­vam e não havia rou­pas suplen­tes, era a câmara que bas­tava ter um pingo de água na lente e anu­lava o plano, era o movi­mento de grua que tinha um ligeiro cho­que e perdia-​​se tudo, etc. Foram 7 minu­tos de ten­são, de grande coor­de­na­ção e, acima de tudo, de supe­rior pro­fis­si­o­na­lismo de todos os envol­vi­dos. Foi qual­quer coisa de mágico e acaba por tor­nar o final do filme igual­mente mágico, é o último plano do filme.

João Nunes

Um bom plano sequên­cia é sem­pre um tour de force.

Luís Cam­pos

Outras coi­sas houve. Por exem­plo, no iní­cio do filme há 2 per­so­na­gens, gays, que tra­ba­lham num clube de vídeo. Ini­ci­al­mente eram para tra­ba­lhar na sec­ção de cd’s de um arma­zém, e o diá­logo con­ti­nha uma crí­tica social à pira­ta­ria e ao “desuso” dos cd’s. Na vés­pera o esta­be­le­ci­mento comer­cial onde iría­mos fil­mar e tive­mos de impor­vi­sar de ime­di­ato. Feliz­mente rodá­mos na Covi­lhã, cidade que todos conhe­cía­mos por viver lá alguns anos, e aca­bas por te movi­men­tar melhor num meio que conhe­ces. Con­se­gui­mos abor­dar o dono de um clube de vídeo — que à maior parte de nós muito aju­dou a con­tri­buir para o aumento da cul­tura cine­ma­to­grá­fica) — e convencê-​​lo a fil­mar lá. Foi estra­nho, nos­tál­gico, fil­mar­mos uma cena do nosso filme numa sala onde tan­tas vezes nos con­fron­tá­mos com aquela magia de esco­lher um filme. Todo esse texto teve de ser alte­rado, em fun­ção de um impre­visto da rodagem.

João Nunes

Tiveste isso em aten­ção na escrita? Pen­sar em sítios que conhe­cias e sabias poder vir a utilizar?

Luís Cam­pos

Alguns, sim: a sequên­cia toda no jar­dim, “vivi-​​a” muito. Vivi muito da minha expe­ri­ên­cia uni­ver­si­tá­ria nesse jar­dim. Uma sequên­cia num jan­tar que apa­rece num flash­back, aquilo aconteceu-​​me mesmo. O por­me­nor da unha do empre­gado, eu “vivi” aquilo. Conhe­cer alguns dos espa­ços, ine­vi­ta­vel­mente esse conhe­ci­mento “físico” influencia-​​te o modo como escreves.

João Nunes

Como é que des­cre­ve­rias este filme? O género, o tom?

Luís Cam­pos

Comé­dia dramática.

João Nunes

A famosa dra­medy…

Luís Cam­pos

Sim, muito por aí.

João Nunes

É um ter­ri­tó­rio difí­cil. Assustou-​​te?

Luís Cam­pos

Nem por isso, por­que quando escre­ves num ter­ri­tó­rio que admi­ras há sem­pre uma moti­va­ção extra. Eu sou muito movido pela crença. Foi o que senti no guião do Jorge, não mexia comigo, não con­se­gui acre­di­tar nele, enquanto espec­ta­dor e, obvi­a­mente, enquanto gosto pes­soal. Por isso decidi criar algo de raiz, em que eu acre­di­tasse, e algo que mexesse comigo, enquanto espec­ta­dor. Estou satis­feito, por­que nesse registo de dra­medy acho que con­se­gui atin­gir a pro­fun­deza que o registo exige. Em deter­mi­na­dos aspec­tos, o drama dos per­so­na­gens está lá, seja numa frase como “afi­nal, sou só mais uma”, “sabes lá o que é res­pon­sa­bi­li­dade”, etc., que, ao espec­ta­dor, pode soar banal, muito por culpa de ser em por­tu­guês mas, se ana­li­sar­mos com aten­ção, tendo em vista o campo em que o filme opera, são fra­ses pro­fun­das, trans­mis­so­ras de dor, de angús­tia, de inca­pa­ci­dade. E uma vez que se abor­dam per­so­na­gens de 30 anos, que há 10 anos sonha­vam ser o cen­tro do uni­verso e viviam de uma forma livre, des­com­pro­me­tida, e hoje, 10 anos depois, são um reflexo da soci­e­dade e dos cos­tu­mes a que a soci­e­dade obriga. Mas não quero entrar muito em des­cri­ções “filo­só­fi­cas” — isso deixo para o espectador.

João Nunes

E o lado comé­dia, fun­ci­ona? Tem de haver equilíbrio.

Luís Cam­pos

Eu sinto que sim e na ante-​​estreia do São Jorge tive o pra­zer indes­cri­tí­vel de con­fir­mar que sim: ter 800 e tal pes­soas a aplau­dir e rir à gar­ga­lhada em inú­me­ras par­tes do filme é algo mais vali­oso do que ler qual­quer crí­tica posi­tiva ou nega­tiva sobre o filme. Senti ali, in loco, a magia do cinema que aju­dei a criar e isso é único. Foi muito bom, no São Jorge, vai ficar na memó­ria de todos nós.

João Nunes

Por falar em ante-​​estreia, como sur­giu a ideia de fazer uma para a selecção?

Luís Cam­pos

Uma das empre­sas que apoiou o filme é a IMB hotéis que apoiou com a cedên­cia de quar­tos para os acto­res, na altura da roda­gem e do espaço para fil­mar no hotel em Unhais da Serra — o H2otel — onde fil­má­mos grande parte do filme. Como a selec­ção aca­bou por ir fazer o está­gio à Covi­lhã e usu­fruir des­ses espa­ços foi fácil arran­jar um acordo entre a Lobby, IMB e Federação.

João Nunes

Acho isso fantástico.

Luís Cam­pos

Pos­si­bi­li­ta­ram isso e, de certa forma, apoi­a­ram a divul­ga­ção. Há um certo cari­nho em torno do filme por ter sido feito como foi; é o melhor mar­ke­ting que pode­mos ter, este pon­tapé na crise que “uns putos do inte­rior” deci­di­ram dar. Há uns meses atrás nin­guém ima­gi­na­ria ser pos­sí­vel fazer um filme che­gar às salas de cine­mas sem meios num país como é Por­tu­gal e onde a tra­di­ção de pro­du­ção cine­ma­to­grá­fica tem os pro­ble­mas que todos conhecemos

João Nunes

Eu cos­tumo dizer que esta­mos todos à pro­cura da 3ª via, entre o cinema de autor e o “ame­ri­cano”. Achas que pode ser esta?

Luís Cam­pos

Sem dúvida que acre­dito que será esta. Eu apelido-​​o de cinema de meio termo, é o que o cinema por­tu­guês pre­cisa. É o que tínha­mos nos anos 50/​60 e que se per­deu com a mudança de regime, infe­liz­mente. A liber­dade cri­a­tiva tornou-​​se algo ego­cên­trica, do ponto de vista artís­tico. O cinema por­tu­guês é pre­ten­si­oso, quer mérito, reco­nhe­ci­mento ou notas. Infe­liz­mente, não se pro­cu­ram sor­ri­sos, lágri­mas e todo o tipo de sen­sa­ções que o cinema tão sin­gu­lar­mente tem o poder de trans​mi​tir​.Eu cos­tumo dizer que sou fã do “Pathos”, gosto que os fil­mes mexam comigo e não me ima­gino a criar algo que não mexa com o espec­ta­dor. Claro que é muito com­plexo, do ponto de vista cri­a­tivo, e o risco que refe­res no dra­medy passa muito por aí. Cada um inter­preta como inter­preta. Eu fiz uma curta-​​metragem ante­rior ao “Um Fune­ral à Chuva”, inti­tu­lada “Azei­tona”. O filme inseria-​​se na home­na­gem ao Manoel de Oli­veira, ao cen­te­ná­rio do Manoel de Oli­veira, e nós deci­di­mos fazer um filme influ­en­ci­ado por títu­los recen­tes como “Juno”, “Lit­tle Miss Sunshine”, entre outros.

João Nunes

Boas refe­rên­cias.

Luís Cam­pos

Mas na ava­li­a­ção aca­dé­mica, uma vez que era inse­rido no pro­jecto final de Mes­trado, houve opi­niões dis­tin­tas, no pai­nel ava­li­a­tivo. Houve com­pa­ra­ções a Flo­ri­bella e eu fiz ques­tão, na defesa do pro­jecto, de ilus­trar as ope­ra­ções semió­ti­cas que tive­mos, enquanto cri­a­ti­vos e auto­res do filme. Os defen­so­res do termo “flo­ri­bella” aca­ba­ram por ter que con­cor­dar por­que essa pro­fun­di­dade está lá se o espec­ta­dor qui­ser ir mais além. O Kubrick tem o mérito reco­nhe­cido por­que quem o ana­lisa sabe ir mais além, per­ce­ber as cono­ta­ções, explo­rar essa pro­fun­deza ima­gé­tica, tex­tual, ou esté­tica. Obvi­a­mente que não me estou a com­pa­rar ao Kubrick mas sim a ten­tar enal­te­cer a riqueza do cinema, da ambi­gui­dade cine­ma­to­grá­fica e, ao mesmo tempo, reco­nhe­cer a com­ple­xi­dade “inter­pre­ta­tiva” do cinema que é dife­rente aos olhos de cada um. Eu lembro-​​me, por exem­plo, do caso “The Big Lebowski”; há pou­cos fil­mes na his­tó­ria que me sai­bam fazer rir tanto mas conheço muita gente que não con­se­gue sequer esbo­çar sim­pa­tia pelo filme. O humor é dos ter­ri­tó­rios mais com­ple­xos no cinema.

João Nunes

Mais uma per­gunta: já há pla­nos para “Um casa­mento à chuva” ?

Luís Cam­pos

(risos)

Sequela não existirá.

João Nunes

E outros projectos?

Luís Cam­pos

Há muita von­tade em con­ti­nuar a fazer coi­sas, é o nosso objec­tivo comum. Eu tenho 3 pro­jec­tos em desen­vol­vi­mento, no momento. Existe um que acre­dito ser o cami­nho a seguir pela Lobby em busca da “con­so­li­da­ção” desse meio-​​termo no cinema naci­o­nal. É uma aven­tura fami­liar fan­tás­tica que opera num epi­só­dio espe­cí­fico da his­tó­ria por­tu­guesa. Mais não posso adi­an­tar, para já. Ape­nas posso dizer que está na linha da frente para um pos­sí­vel avanço. Isto, claro, caso con­si­ga­mos reu­nir os meios para o fazer. Esse filme seria impos­sí­vel de con­se­guir fazer com os meios de “Um Fune­ral à Chuva”. A única coisa que desejo é que este filme che­gue ao máximo de pes­soas pos­sí­vel, uma vez que o seu objec­tivo prin­ci­pal é comu­ni­car com as pes­soas, pas­sar a men­sa­gem pre­ten­dida. Com o sucesso dele, espero que come­ce­mos a ter cré­dito junto de quem tem o poder deci­só­rio no finan­ci­a­mento do cinema naci­o­nal. Con­se­gui­mos o feito de fazer che­gar um filme a 20 salas, sem dinheiro. Creio ter­mos demons­trado que mere­ce­mos uma opor­tu­ni­dade de fazer algo com mais e melho­res meios.

João Nunes

Que­res dizer mais alguma coisa?

Luís Cam­pos

Este pro­jecto foi pos­sí­vel por­que um grupo de jovens “ope­rá­rios” do cinema o con­se­gui­ram tor­nar pos­sí­vel, desde o sur­real esforço da equipa de pro­du­ção, enca­be­çada por Orlan­dina Vei­ros, João Fei­tor, Ana Almeida e Lília Vare­jão, ao bri­lhan­tismo da equipa de fotografia/​imagem, que con­tou com 2 espa­nhóis — Iago e Lucía — pro­fis­si­o­nais vindo pro bono, de pro­pó­sito para o filme, aos elec­tri­cis­tas, que pra­ti­ca­mente sem dor­mir durante 1 mês tive­ram um esforço heróico a carregar/​ montar/​ desmontar/​ trans­por­tar pro­jec­to­res. A coisa foi pos­sí­vel por­que um grupo de heróis acre­di­tou no pro­jecto, fize­ram dele uma rea­li­dade — no pri­meiro dia de roda­gem esti­ve­mos a fil­mar 26 horas inin­ter­rup­tas. Acima de tudo, o filme passa a men­sa­gem implí­cita de que perante o esforço, dedi­ca­ção e devo­ção do ser humano não há crise que prevaleça.

João Nunes

Boa men­sa­gem para ter­mi­nar. O País agra­dece e eu agradeço.

Um fune­ral à chuva” pode ser visto nes­tes cine­mas a par­tir de 3 de Junho:

  • Alva­lá­xia
  • Amo­rei­ras
  • Colombo
  • Vasco Da Gama
  • Dolce Vita Miraflores
  • Almada Forum
  • Oei­ras Parque
  • Dolce Vita Porto
  • MarShop­ping
  • Nor­teShop­ping
  • Par­que Nascente
  • Dolce Vita Douro
  • Aveiro Forum
  • Dolce Vita Coimbra
  • Viseu Forum
  • Braga Par­que
  • Guarda Viva­cine
  • Covi­lhã SerraShopping
  • Espaço Gui­ma­rães
  • Maia Viva­cine

Aqui fica tam­bém um pequeno vídeo com­pro­va­tivo do apoio da Selec­ção Naci­o­nal. Espe­re­mos que daqui a pouco, depois do jogo com os Cama­rões, este apoio ainda seja uma mais valia ;)

Atu­a­li­za­ção: o meu colega e amigo Jorge Vaz Nande, que a certa altura é men­ci­o­nado nesta entre­vista, publi­cou um pequeno artigo no seu blo­gue, escla­re­cendo a sua par­ti­ci­pa­ção no pro­jeto. Reco­mendo a leitura.

joaonunes.com

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