terça-feira, fevereiro 22, 2011

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"Não pretendo mostrar neste blogue investigação ou erudição sobre a Covilhã, que não possuo nem me proponho encaminhar-me para essas actividades. O que disser neste âmbito, digo-o porque já o sabia. Pretendo assumir a pose de um simples natural da Covilhã, que evoca o que no seu entender foi e é mais marcante na Covilhã. Os temas envolvidos serão decerto diversificados, desde a figura histórica até ao convívio de juventude na cidade. Fujo dos temas polémicos, ponho-me à parte da discórdia. Pretendo recordar e viver o que a Covilhã tem de melhor para mim, para muitos covilhanenses e para muitos habitantes do concelho: pretendo caminhar para o âmago da Covilhã, o que se sabe que só se consegue ao fim de uma vida… Pretendo revisitar a Covilhã, como alguém que já a conheceu e agora a olha com outros olhos…"

José Manuel Morão
Antigo aluno da Escola Frei Heitor Pinto e da Escola Campos Melo


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O MONTE, AS RIBEIRAS, AS FÁBRICAS, CAMPOS MELLO,
A ESCOLA TÉCNICA & C.,ª Lda.



A Covilhã, com o seu castelo, surgiu no monte mais próximo das ribeiras, devido à importância da água. Importa referir que, ao que parece, essa não foi a sua localização primitiva: “A antiga Covilhan estava situada na parte mais baixa da cidade actual, junto aos pomares da ladeira de Martin Collo (…); (…) foi-se dilatando para o lado superior da encosta.” (1) O que importava não era fundar uma cidade afastada da comunicação com o resto do reino, mas próxima às vias de comunicação com outras cidades, vias que foram primeiramente abertas pelos romanos. Parece que queriam fazer os antigos celtas descer à planície e expandir o processo da romanização nas suas várias vertentes, a menor das quais não será a da língua e da cultura. Por outro lado, o rio Zêzere passava no vale abaixo, onde, depois de juntos os caudais da ribeira da Carpinteira e da Degoldra (agora andam por aí a chamar-lhe erradamente Goldra) na ribeira de Corges, nesse rio desaguavam.

Mas desde cedo as duas ribeiras deram à cidade a sua vocação fabril, conjugadas com os grandes rebanhos que os pastores levavam a apascentar na serra da Estrela ou pelas longínquas rotas da transumância. Essa vocação fabril talvez se tenha manifestado ainda desde tempos antes da monarquia. Imaginamos a beleza das primeiras fábricas, perfeitamente integradas nos leitos das ribeiras, colhendo as suas águas para mover os mecanismos. Algumas ainda existem. Ou se não são as mesmas devem ser parecidas.

Em conclusão, a cidade da Covilhã só não está situada no vale devido à castrense e medieval necessidade de defesa, devido às muralhas incrustadas no cimo de um monte. A cidade não tem vista para a serra, não foi essa a preocupação, os tempos não eram de turismo ou poesia. Ao tempo e à sobrevivência não interessavam as vistas. Decerto que no vale passava uma importante via romana, a mesma que ia servir as explorações mineiras da ribeira de Gaia, ali perto de Belmonte. Os romanos vieram para a Península fundamentalmente por causa da extracção mineira.

No tempo de fazer o castelo ainda houve engenho para talhar as pedras. Quando foi necessário construir a Real Fábrica (ao tempo da do Fundão e da de Portalegre) bastou destruir o castelo… Destruir não será bem o termo, porque o castelo já estava arruinado pelos tempos. Mas decerto a ruína humana interveio então consideravelmente. Tudo muito prático, sem sensibilidade pelo património. Também outras fábricas se aproveitaram das pedras, e até os particulares. Foi uma pilhagem consentida... (2)

A Covilhã abrangia o extenso vale que hoje chamamos Cova da Beira, nome que não é muito poético. Houvesse uma pequena ermida no vale, como há na nave de Santo António, e poderia muito bem chamar-se-lhe Vale de S. António, ou Vale das Duas Serras, atendendo a que é formado pelo vale da Serra da Estrela e da Gardunha, a maior serra e outra das maiores de Portugal. Cova da Beira não é lá grande nome… Até os chamados Covões da serra da Estrela são nomes mais soantes…

Depois do século de ouro da indústria dos lanifícios da Covilhã, o século XVIII (2), o nome que hoje nos aparece mais associado à indústria de lanifícios da Covilhã é o de Campos Melo, ou melhor, José Maria Veiga da Silva Campos Mello, o que não causa estranheza, pois quotidianamente (e desde a nossa juventude de estudantes) vemos a sua estátua de mãos estendidas em serviço pelos lanifícios, junto à Escola Campos Melo, vemos a placa de centenário de nascimento na casa onde ele nasceu, na rua que tem hoje o seu nome (Rua Comendador Campos Melo) e apreciamos o belo jazigo no cemitério da Covilhã:

«José Maria da Silva Campos e Mello — (Comendador) nasceu na Covilhan em 29 d’Agosto de 1808 e morreu no dia 3 de Março de 1866, legando á Mizericordia d’esta villa 1:500$000 reis.
Negociante opulento e chefe d’industria fabril, foi dos mais incançaveis filhos da Covilhan, que aproveitando a fecunda lei protectora de 10 de Janeiro de 1837ajudou a leval-a ao subido grau d’explendor e progresso.

Em 28 de Março de 1864 o Governo de Sua Magestade, em attenção ás excelentes qualidades d’este respeitável Portuguez e dos eminentes serviços por este prestados á industria nacional o condecorou com o gráu de commendador da Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo. Reedificou pelos annos 1852 a denominada Fabrica Velha, sita na ribeira da Carpinteira:

Fabrica Velha:
Gosava dos mesmos privilégios da fabrica de Cascaes, em virtude da Régia Provisão de 11 de Dezembro de 1800.
Manufacturava fazendas de lan e ultimava e tingia fazendas de particulares.
Pessoal:
Mestres . . . . . . 3
Aprendizes . . . 2
Officiaes . . . . . 15
Serventes . . . . 8
Total . . . 28

‘E hoje a grande fabrica-Campos Mello & Irmão.»
Portanto Campos Melo foi um notável industrial português, que trouxe à indústria nacional consideráveis aperfeiçoamentos técnicos, e que fundou a primeira Escola Técnica, em 1884:
«ESCOLA INDUSTRIAL «CAMPOS MELLO» — Pelo decreto de 3 de janeiro de 1884 foi creada esta escola, que foi aberta em 9 de dezembro do mesmo anno, e, mais tarde, 2 de agosto de 1885, solemnemente inaugurada no edifício que occupa, na rua de Santa Marinha, offerecido pela Camara Municipal.

Movimento d’esta escola desde a sua abertura até fins de 1897:
Frequencia: —Desenho, 1: 142 do sexo masculino e 75 do feminino; mathematica, 212 m.; francez, 405 m. e 2 f.; chimica, 94 m.; tecelagem 95 m. —Total, 2:025.
Examinados: —Desenho, 346 m. e 27 f.; mathematica, 48 m.; francez, 130 m. e 1 f.; chimica, 11 m.; tecelagem, 37 m. — Total, 607.

Actualmente há apenas dois professores: um de chimica e outro de desenho e mathematica, tendo um total de uns 50 alumnos.» (1)

Se não viveu muitos anos, Campos Melo soube cuidar do seu destino em vida e quanto à sua última morada, pois no cemitério da Covilhã, no corredor central, segundo patamar, pode apreciar-se a beleza do seu jazigo, de portas de três arcos de volta perfeita com colunas de capitéis adossadas. Partilhou-o, sobretudo, com um seu irmão mais velho (que dá o seu nome a outra grande artéria da Covilhã, a rua Visconde da Coriscada):
«Francisco Joaquim da Silva Campos Mello (conselheiro e primeiro visconde da Coriscada) — nasceu na Covilhan em 5 de Janeiro de 1824 e morreu a 13 de Maio de 1876. Foi presidente da Camara Municipal de Covilhan, valoroso industrial, escrivão e provedor da Misericordia d’esta cidade, á qual deixou em testamento 1.500$000 reis em acções do Banco da Covilhan.

Em 1871 recebeu o titulo de Barão da Coriscada, que depois se mudou no de visconde. Promoveu o desenvolvimento da industria covilhanense e ligou o seu nome a muitas instituições de caridade e de progresso.» (1)

É evidente que a herança industrial de Campos Melo se situa hoje nas fábricas que souberam acompanhar a evolução técnica dos tempos, como as fábricas de Paulo Oliveira ou de Brancal, mantendo o nome da Covilhã na primeira fileira da produção de lanifícios do mundo.

(1) Quintella, Artur de Moura; Carvalho, A. Crespo de- Subsidios para a Monographia da Covilhan (1899)
(2) Barata, J. Reis- Covilhã-Nascimento e Consolidação (2006)


José Manuel Morão

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