Ministério Público diz que médicos não violaram quaisquer deveres.Dois médicos multados em 32 mil euros por escreverem a Sócrates em papel do hospital.
Usar o papel timbrado e o correio do serviço público em que se trabalha para expor um assunto ao primeiro-ministro pode custar muito caro. Que o digam dois dos promotores de um abaixo-assinado dirigido a José Sócrates em Setembro, agora condenados a pagar uma multa global de 32.872 euros pela administração da Unidade Local de Saúde da Guarda (ULSG).
Médicos da Guarda usaram papel do hospital para criticar o fecho de maternidades Médicos da Guarda usaram papel do hospital para criticar o fecho de maternidades (Sérgio Azenha)
Polémico em todo o país, o fecho de algumas maternidades iniciado em 2006 também acendeu paixões nos distritos da Guarda e Castelo Branco. Foi nesse quadro que os médicos do Hospital da Guarda (Hospital de Sousa Martins), actualmente integrado na ULSG, pediram no ano passado a Sócrates que clarificasse a sua posição sobre o assunto.
Fizeram-no em papel timbrado do hospital, no qual recolheram as assinaturas de 56 médicos daquela unidade, e resolveram dar conhecimento a mais 17 entidades. O envelope dirigido ao primeiro-ministro foi encaminhado para o expediente da ULSG, de onde seguiu para São Bento a 8 de Setembro. Pouco depois foram ali entregues mais 17 envelopes, contendo outras tantas cópias do abaixo-assinado, para serem enviadas aos seus destinatários, incluindo a administração da unidade.
Alertado pelo funcionário do expediente, o presidente da ULSG, Fernando Girão, depois de tomar conhecimento do conteúdo do envelope que lhe era dirigido, ordenou a retenção dos restantes, remetendo-os mais tarde ao Ministério Público (MP) para justificar uma queixa de “burla e/ou de abuso de poder”, que foi seguida de uma outra por “difamação e injúria”. As participações visaram o oftalmologista Henrique Fernandes e o anestesista Matos Godinho, apontados como responsáveis pela recolha das assinaturas em papel timbrado do hospital, pelo envio dos envelopes para o expediente, e ainda pela autoria de cartas dirigidas ao queixoso e consideradas ofensivas por este.
Dias antes da entrega destas queixas, porém, já Henrique Fernandes tinha participado contra o órgão dirigido por Fernando Girão, para que se apurasse se algum dos seus membros praticou o crime de violação de correspondência. Paralelamente, a ULSG instaurou processos disciplinares contra aqueles médicos, acusando-os de uso indevido do papel no abaixo-assinado, de terem procurado fazer crer a José Sócrates que o documento representava a posição oficial da unidade de saúde e de terem reincidido diversas vezes na utilização do seu papel em cartas que dirigiram a Fernando Girão, depois de serem advertidos de que não podiam fazê-lo.
No decurso dos processos, Henrique Fernandes e Matos Godinho sustentaram que esses documentos abordavam assuntos de natureza profissional, justificando assim o uso do papel e do correio do hospital. A decisão final, que lhes foi comunicada no dia 13, rejeita, porém, esta tese e dá como provada a violação dos “deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de obediência, de lealdade e de correcção”. As sanções correspondentes são a multa e a demissão, com cessação do contrato, mas a administração considerou que “parece suficiente, por ora”, a aplicação das multas, que fixou em 17.766 euros no caso de Henrique Fernandes e 15.106 no de Matos Godinho. Os relatórios finais dos processos referem que no dia 9 de Setembro, ou seja, no dia seguinte ao envio do abaixo-assinado, “um responsável do gabinete do primeiro-ministro telefonou ao presidente do Conselho de Administração da ULSG, solicitando esclarecimentos”.
Já em sede judicial, o MP entendeu de forma oposta, mandando arquivar os autos no que toca às queixas de Girão. “A utilização do papel timbrado da instituição para a elaboração do abaixo-assinado não configura qualquer ilícito criminal, assim como o seu envio pelo serviço de expediente”, concluiu o magistrado no dia 6 deste mês. Os médicos “usaram o papel timbrado para assuntos relacionados com a sua profissão e não para questões particulares”. Por outro lado, resumiu, “a actuação dos denunciados não configura qualquer comportamento abusivo e/ou violação dos deveres inerentes ao cargo”.
Quanto ao facto de Girão ter ordenado a retenção dos 17 envelopes, o despacho considera estar-se perante um crime de violação de correspondência, do qual foi formalmente acusado e que é punível com prisão até um ano ou multa até 240 dias.
Administrador acusado e médicos castigados anunciam recursos
O presidente da USLG vai recorrer da acusação de “violação de correspondência” deduzida contra si pelo Ministério Público (MP). Henrique Fernandes e Matos Godinho, por seu lado, vão recorrer das multas que lhes foram aplicadas. “O dr. Fernando Girão entende que o uso de qualquer material do organismo e a solicitação de envio em correio registado de cerca de duas dezenas de cartas, no âmbito de iniciativas com as motivações referidas [questionar o primeiro-ministro acerca da manutenção de maternidades], não está de acordo com a necessária boa gestão dos fundos públicos.
Se os cerca de 2000 funcionários resolvessem usar os mesmos meios para enviar correspondência pessoal, estariam a ser canalizados fundos substanciais para outras funções fora dos limites da prestação de cuidados de saúde”, afirma a administração da USLG em resposta ao PÚBLICO. Este órgão adianta que o seu presidente “não compreende, por isso, que o MP não tenha tido em conta esta defesa dos interesses do Estado, ao ilibar os dois médicos da utilização de meios e bens públicos, para fins privados” — acrescentando que Fernando Girão vai recorrer da acusação “por se entender que não pode ser julgado por defender os interesses do Estado”.
Quanto às multas aplicadas aos médicos, afirma que elas “estão de acordo com aquilo que está previsto pelo Estatuto Disciplinar”. Os dois médicos castigados vão igualmente recorrer. “Depois do despacho do MP que nos iliba, ainda ficámos mais convictos de que temos direito a exigir, pelo menos, o arquivamento do processo”, afirmou o anestesista Matos Godinho.
Publico
Médicos da Guarda usaram papel do hospital para criticar o fecho de maternidades Médicos da Guarda usaram papel do hospital para criticar o fecho de maternidades (Sérgio Azenha)
Polémico em todo o país, o fecho de algumas maternidades iniciado em 2006 também acendeu paixões nos distritos da Guarda e Castelo Branco. Foi nesse quadro que os médicos do Hospital da Guarda (Hospital de Sousa Martins), actualmente integrado na ULSG, pediram no ano passado a Sócrates que clarificasse a sua posição sobre o assunto.
Fizeram-no em papel timbrado do hospital, no qual recolheram as assinaturas de 56 médicos daquela unidade, e resolveram dar conhecimento a mais 17 entidades. O envelope dirigido ao primeiro-ministro foi encaminhado para o expediente da ULSG, de onde seguiu para São Bento a 8 de Setembro. Pouco depois foram ali entregues mais 17 envelopes, contendo outras tantas cópias do abaixo-assinado, para serem enviadas aos seus destinatários, incluindo a administração da unidade.
Alertado pelo funcionário do expediente, o presidente da ULSG, Fernando Girão, depois de tomar conhecimento do conteúdo do envelope que lhe era dirigido, ordenou a retenção dos restantes, remetendo-os mais tarde ao Ministério Público (MP) para justificar uma queixa de “burla e/ou de abuso de poder”, que foi seguida de uma outra por “difamação e injúria”. As participações visaram o oftalmologista Henrique Fernandes e o anestesista Matos Godinho, apontados como responsáveis pela recolha das assinaturas em papel timbrado do hospital, pelo envio dos envelopes para o expediente, e ainda pela autoria de cartas dirigidas ao queixoso e consideradas ofensivas por este.
Dias antes da entrega destas queixas, porém, já Henrique Fernandes tinha participado contra o órgão dirigido por Fernando Girão, para que se apurasse se algum dos seus membros praticou o crime de violação de correspondência. Paralelamente, a ULSG instaurou processos disciplinares contra aqueles médicos, acusando-os de uso indevido do papel no abaixo-assinado, de terem procurado fazer crer a José Sócrates que o documento representava a posição oficial da unidade de saúde e de terem reincidido diversas vezes na utilização do seu papel em cartas que dirigiram a Fernando Girão, depois de serem advertidos de que não podiam fazê-lo.
No decurso dos processos, Henrique Fernandes e Matos Godinho sustentaram que esses documentos abordavam assuntos de natureza profissional, justificando assim o uso do papel e do correio do hospital. A decisão final, que lhes foi comunicada no dia 13, rejeita, porém, esta tese e dá como provada a violação dos “deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de obediência, de lealdade e de correcção”. As sanções correspondentes são a multa e a demissão, com cessação do contrato, mas a administração considerou que “parece suficiente, por ora”, a aplicação das multas, que fixou em 17.766 euros no caso de Henrique Fernandes e 15.106 no de Matos Godinho. Os relatórios finais dos processos referem que no dia 9 de Setembro, ou seja, no dia seguinte ao envio do abaixo-assinado, “um responsável do gabinete do primeiro-ministro telefonou ao presidente do Conselho de Administração da ULSG, solicitando esclarecimentos”.
Já em sede judicial, o MP entendeu de forma oposta, mandando arquivar os autos no que toca às queixas de Girão. “A utilização do papel timbrado da instituição para a elaboração do abaixo-assinado não configura qualquer ilícito criminal, assim como o seu envio pelo serviço de expediente”, concluiu o magistrado no dia 6 deste mês. Os médicos “usaram o papel timbrado para assuntos relacionados com a sua profissão e não para questões particulares”. Por outro lado, resumiu, “a actuação dos denunciados não configura qualquer comportamento abusivo e/ou violação dos deveres inerentes ao cargo”.
Quanto ao facto de Girão ter ordenado a retenção dos 17 envelopes, o despacho considera estar-se perante um crime de violação de correspondência, do qual foi formalmente acusado e que é punível com prisão até um ano ou multa até 240 dias.
Administrador acusado e médicos castigados anunciam recursos
O presidente da USLG vai recorrer da acusação de “violação de correspondência” deduzida contra si pelo Ministério Público (MP). Henrique Fernandes e Matos Godinho, por seu lado, vão recorrer das multas que lhes foram aplicadas. “O dr. Fernando Girão entende que o uso de qualquer material do organismo e a solicitação de envio em correio registado de cerca de duas dezenas de cartas, no âmbito de iniciativas com as motivações referidas [questionar o primeiro-ministro acerca da manutenção de maternidades], não está de acordo com a necessária boa gestão dos fundos públicos.
Se os cerca de 2000 funcionários resolvessem usar os mesmos meios para enviar correspondência pessoal, estariam a ser canalizados fundos substanciais para outras funções fora dos limites da prestação de cuidados de saúde”, afirma a administração da USLG em resposta ao PÚBLICO. Este órgão adianta que o seu presidente “não compreende, por isso, que o MP não tenha tido em conta esta defesa dos interesses do Estado, ao ilibar os dois médicos da utilização de meios e bens públicos, para fins privados” — acrescentando que Fernando Girão vai recorrer da acusação “por se entender que não pode ser julgado por defender os interesses do Estado”.
Quanto às multas aplicadas aos médicos, afirma que elas “estão de acordo com aquilo que está previsto pelo Estatuto Disciplinar”. Os dois médicos castigados vão igualmente recorrer. “Depois do despacho do MP que nos iliba, ainda ficámos mais convictos de que temos direito a exigir, pelo menos, o arquivamento do processo”, afirmou o anestesista Matos Godinho.
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